É sempre a mesma coisa. Uma pessoa começa finalmente a habituar-se a um ano, à custa de trabalho, paciência e algum sofrimento até, e, zás!, o ano muda. Daqui a uns poucos dias temos um 2019 fresquinho e espreitam-se as novidades. Novidades haverá, sem dúvida, boas e más, mas aposto que 2019 será muito parecido com 2018. Sempre foi assim. O passado está prenhe do futuro e o futuro guarda os traços familiares do passado, para o perpetuar. Seguem-se alguns exemplos, mundiais e locais, a título de ilustração desta verdade insofismável.

 O fascismo continuará o seu avanço. Poderá mudar uma cara ou outra, mas a essência, por detrás da aparente diversidade das suas manifestações, permanecerá idêntica. A identidade encontra-se, de resto, garantida à partida, já que ela é postulada por um acto de vontade e não deduzida de factos empíricos. Bolsonaro cairá no esquecimento? Outros aparecerão, pelo menos tão fascistas quanto ele. Provavelmente, muito mais fascistas do que ele. E isso um pouco por todo o lado.

A espécie, no seu conjunto, perseverará no progresso em direcção ao aprimoramento moral. Trata-se de um movimento estranhamente complementar do antecedente. O fascismo avançará, mas, ao mesmo tempo, as nossas exigências morais, em todos os domínios, tenderão a aumentar. Das alterações climáticas à conduta sexual, passando pelo uso da linguagem, o coração da humanidade falará com uma única voz, cada dia mais consciente e nítida. Guterres, nas Nações Unidas, subirá ao púlpito as vezes que for preciso para, com sagrada eloquência, nos instruir, e, para os mais distraídos viajantes que liguem no carro a TSF, Fernando Alves cumprirá, com não menos brilho, idêntica função.

A União Europeia vencerá, como sempre, todos os obstáculos. Continuaremos, é verdade, a passar por momentos angustiantes, ditados maioritariamente pelo avanço do fascismo, mas, em parte em resultado dos progressos do Bem no coração humano, a União Europeia, lugar de eleição desse mesmo Bem, saberá vencer todas as dificuldades que se lhe coloquem. A bicicleta continuará a rolar a toda a velocidade. Um braço ou uma perna perdidos aqui e ali não farão falta. Lembram-se do cavaleiro negro do filme dos Monty Python? Não era esse género de coisas que o demovia da sua ilustre missão. E quem era ele comparado com Jean-Claude Juncker?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O governo de Portugal continuará a virar a página da austeridade. Desde que, em tempos idos, espantámos o mundo com a singularidade e a profundidade da nossa “via original para o socialismo”, não cessamos de inovar teoricamente no que respeita aos processos de aprofundamento da nossa felicidade colectiva. Menos do que uma originalidade acidental, António Costa é o herdeiro de uma fecunda tradição e o preclaro Jeremy Corbyn não se enganou em apontá-lo como exemplo para os povos. A página da austeridade continuará a ser virada com afinco e proveito para todos nós. Dificuldades? Há-as, sem dúvida, como golpes de vento que parecem trazê-la de novo ao nosso olhar, os irritantes. Puro efeito de superfície. O progresso é inexorável e realizado sem artifícios alguns ou artimanhas duvidosas. Só criaturas com défice de atenção que não se conseguem concentrar na leitura não se dão conta da evolução.

A direita teimará, inconsolável, no retorno aos anos da troika, que chamou a Portugal e à qual jurou manter-nos indissociavelmente ligados, numa política anti-patriótica. A direita é o contrário da esquerda. Milita contra a felicidade e o progresso moral e acolhe com indisfarçável gozo o ascenso do fascismo no mundo. Naturalmente, deseja o mal sob as suas várias formas. Delicia-se no populismo, de que é depositária exclusiva. Inventa continuamente problemas e dificuldades e nega as óbvias soluções que se encontram já escritas no coração humano com as letrinhas todas e que a esquerda sabe ler de olhos fechados. E o pior é que o faz com esmero e método. Ah, se ao menos usasse esse seu talento ao serviço do Bem! Mas nunca o usou no passado e não o usará certamente no futuro.

Fomos os maiores, somos os maiores, seremos os maiores. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou-o em visita aos Estados Unidos: os Estados Unidos são grandes, mas Portugal é maior. Provou-o dando uma lição de história ao ignorante presidente daquele país de ignorantes, com o qual nem sequer tirou uma selfie. Em 2019 continuaremos os maiores. O que faremos, ninguém o sabe. Mas no campo da ciência e da cultura, por exemplo, todas as possibilidades são reais. Uns dizem que será o nosso teatro a espantar o mundo, outros o cinema, ouros ainda sugerem a física nuclear. Os mais ambiciosos falam do rap. Não importa. Alguma coisa será. Menos do que os maiores é que não podemos ser. Nunca pudemos, e 2019 não saberá ser excepção.

Tudo isto é imaginário? Que mal faz? Apesar de tudo, como é bom de ver, a ideia segundo a qual um novo ano anuncia por si mesmo novos inícios é igualmente imaginária. Vamos, pois, continuar a imaginar as mesmas coisas, mesmo que em perfeito divórcio da realidade. Até porque aprender coisas novas implica ter de aprender também palavras novas e conceitos diferentes, e a preguiça é muita. Mais vale persistir no discurso antigo. Não dá trabalho e não traz chatices. O resto é pouco importante. 2019 vai ser a cara chapada de 2018.