Um grupo de agentes culturais divulgou este mês o seu manifesto de apoio a António Costa. Artistas, actores de teatro e de cinema, fadistas, organizadores de eventos. Escrevem que são a cultura e que a cultura é eles – e que querem uma “alternativa política e cultural”. O presidente da câmara de Lisboa agradeceu. E retribuiu, garantindo que apoiará a cultura – isto é, pela mesma lógica, que os apoiará a eles.

É particularmente interessante que esses agentes vejam em Costa o homem ideal para concretizar as suas expectativas. Não são, por certo, as alternativas culturais que Costa apresentou que os entusiasmam, pelo simples facto que o candidato socialista não apresentou nenhuma. Aliás, à semelhança de outras áreas da governação, não se lhe conhece sequer uma ideia concreta de política cultural. Assim, o que os move é mesmo Costa, o político – alguém com “uma atitude contemporânea e cosmopolita, que reconhece na cultura um contributo fundamental para sairmos da crise”. Ou seja, alguém com quem acreditam poder contar.

Isto, num meio cultural onde a dependência no Estado é grande e num país onde a política cultural se resume a discutir financiamento público, quer dizer muito. Nada é mais importante do que definir valores e destinatários – quanto paga o Estado e quem recebe. Além de que muitos dos agentes culturais que anunciaram o seu apoio a Costa estão nesse circuito de dependência há vários anos. E com um sucesso assinalável, só ameaçado pela crise económica e pela consolidação orçamental. Uma ameaça que, agora, impõe a necessidade de alternativas.

Isto diz muito dos agentes, mas também diz muito de Costa. Sobretudo, serve de exemplo de como a mudança que Costa projecta nos seus apoiantes é, essencialmente, uma ruptura com o presente – em direcção ao passado. O que, neste caso específico, significa proteger a relação de dependência (financeira e política) que a cultura mantém com o Estado. Manifestos à parte, não há lugar para equívocos: perpetuar um sistema inquinado, que se foca na oferta (nos artistas) e desvaloriza a procura (o público), não interessa ao país. Mesmo que interesse aos artistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Entendamo-nos. Não é por ter o dever de sustentar um sector que o Estado financia a criação artística. O dinheiro dos contribuintes suporta a produção artística para que os cidadãos tenham acesso a uma oferta cultural diversa que, de outro modo, não teriam. Dizê-lo não equivale a impor um modelo de cultura de massas, mas somente a reconhecer que a política cultural não pode esquecer o público, porque ela existe precisamente para estar ao seu serviço. Caso contrário, apenas serve para perpetuar o alheamento entre quem produz e quem consome os bens culturais.

Um alheamento que é singularmente grave em Portugal. Numa edição especial do eurobarómetro (#399-2013), sobre o consumo de cultura na europa, os dados são claros. Nos 12 meses que antecederam o inquérito aos cidadãos europeus de todos os estados-membros, os portugueses foram os que leram menos livros, foram menos ao teatro e assistiram menos a concertos. Mais: nesse período, apenas 17% dos inquiridos portugueses visitou um museu e 27% visitou um monumento (pior, em ambos os casos, só na Grécia). Sendo a falta de interesse o motivo principal.

É esse o desafio das políticas culturais. E, aí, algo tem de mudar. Não passa de uma ilusão achar que o desinteresse cultural dos portugueses se ultrapassará com mais financiamento para a produção artística. Pelo contrário, esse desinteresse só será enfrentado se o foco prioritário passar da produção para o consumo, colocando o público no centro (tanto como um dos critérios de financiamento como por via da formação dos públicos na escola ou na RTP). Alguns passos importantes até têm sido dados nesse sentido. Só que é um erro acreditar que esses passos agradam aos agentes culturais. Bastantes quererão invertê-los. E, agora, sabemos que alguns confiaram a António Costa essa missão.