Quem um dia quiser fazer a história deste tempo português não encontrará documento mais surpreendente do que a entrevista colectiva que os directores de informação dos três principais canais televisivos deram a Maria João Avillez, aqui no Observador. Sim, surpreendente. Primeiro, porque são directores em televisões supostamente concorrentes, mas aceitaram ser entrevistados em conjunto, como se formassem uma mesma equipa. Segundo, porque aproveitaram a ocasião, não para se demarcarem e explicarem o que os distingue uns dos outros, mas para falarem em coro, concordando entre si e discordando apenas da entrevistadora. O historiador do futuro talvez não compreenda: para que se dava o país ao trabalho de sustentar três canais de televisão, quando de facto, como os dois polícias de Tintin, funcionavam como um só?
Analisemos assim a entrevista dos directores do ponto de vista da sua unidade. Que aprendemos na entrevista? Em primeiro lugar, que a informação em Portugal não é como em outros países. Nos outros países, há pluralidade, televisões e jornais de esquerda e de direita, isto é, os órgãos de informação assumem pontos de vista variados, e dão ao público perspectivas diferentes sobre a actualidade. Em Portugal, não. Em Portugal, cada órgão de informação pretende ser completo, aspirando a cobrir todas as “facetas”, em versões devidamente domesticadas e alinhadas. Como as “uniões nacionais” de antigamente. Em segundo lugar, ficámos a saber que as coisas são assim, porque o país também não é politicamente como os outros. Nos outros países, há direita e esquerda, há divisão, há discórdia, há debate. Por isso é que nos EUA, existe a CNN e existe a Fox News. Em Portugal, não. Em Portugal somos todos igualmente “moderados”, homogeneamente sensatos, e universalmente comedidos. Com uma excepção, profundamente lamentada na entrevista: os “colunistas do Observador” (assim referidos, à maneira de sociedade anónima). Estes constituem uma organização “paranóica” que, imaginem, insiste em discutir a cultura woke, coisa de que, como toda a gente sabe, não há o mais pequeno vestígio em Portugal.
Ficou assim implicitamente definida a missão que se deve atribuir a si próprio um director de informação televisiva neste país: defender uma informação homogeneamente “moderada”, de modo a impedir os “paranóicos” de contaminar a opinião nacional. Na entrevista não se disse, mas o resultado destas teorias é que estes canais de informação televisiva só poderiam ser, como são, iguais uns aos outros, abordando o noticiário pelo mesmo ângulo. O papel da comunicação social passa assim a ser o de uma espécie de igreja oficial, convidando toda a população a rezar a mesma oração à mesma hora. Para o clero deste sistema, discordar e criticar é necessariamente sintoma de “paranóia” ou outra perturbação mental.
Não, não é por acaso que vamos ser ultrapassados pela Roménia na tabela da riqueza da UE. Há muitas razões para ficarmos para trás, mas uma delas é sem dúvida esta imensa vontade de reduzir o debate público em Portugal a uma conversa entre Dupond e Dupont. Reparem: a tendência subjacente nesta entrevista não é simplesmente para esconder problemas. É para algo de mais profundo: deslegitimar a diversidade e conter a concorrência, negando que a sociedade portuguesa existe no mesmo espaço público internacional em que existem as outras sociedades. Não, ao contrário da velha lenda, o amor não é diferente em Portugal, nem a inflação ou a cultura woke. Faz sentido discutir todos os temas, e discuti-los a partir do mesmo leque de pontos de vista e de opções com que são discutidos noutros países. Se o objectivo é recuperarmos a posição perdida na cauda da Europa, este horror provinciano ao pluralismo e à discussão é obviamente o caminho.