Talvez desde a Segunda Grande Guerra, e à escala global, esta será a primeira vez, em setenta e cinco anos, que estamos, de modo muito real, a confrontarmo-nos todos com um vulto de morte que ameaça as nossas vidas, nos atormenta e assusta. Com a particularidade do “inimigo” ser igual para todos nós. Independentemente da “classe” social, do credo, da cor, ou de tudo aquilo que, por vezes, de forma tão insensata, nos separa. E com a ironia deste “inimigo” — que é tão inacreditavelmente mais pequeno que nós mas que, assustadoramente, nos pode matar — surgir numa época em que o individualismo, a indiferença e os discursos de ódio iam surgindo com uma leveza que nos levava a perguntar onde se teria a humanidade desencontrado de tantos de nós.
Tantas transformações como aquelas que estarmos todos a viver com o coronavirus, tão de um dia para o outro, irão transformar-se em marcos para o crescimento dos nossos filhos. E não é necessário que haja grandes tragédias para que eles as aproveitam para o seu crescimento. O que, diga-se, poderá trazer-lhes um conjunto de argumentos que lhes virão a trazer mais humanidade para o seu futuro. Logo, toda esta imensa preocupação que nos une, bem gerida, pode transformar-se num factor de crescimento para eles.
Mas voltemos ao princípio de tudo. Temos todos vindo a assumir, devagarinho, a chegada do coronavírus às nossas vidas. Primeiro, reconhecendo a sua existência. Depois, não deixando de o ter em consideração na forma como perspectivamos o nosso dia a dia, sobretudo quando se trata de alterarmos rotinas, compromissos sociais ou procedimentos de cordialidade na relação de uns com os outros. A seguir, ponderando cuidados a levar por diante quando se trata de imaginar uma quarentena ou, porventura, uma doença mais grave que resulte da sua contaminação. E, finalmente, assumindo comportamentos educativos que — não podendo nós estar em todos os lugares, ao mesmo tempo, cuidando deles — protejam os nossos filhos, depois de devidamente informados e advertidos por nós.
Os medos existem para as crianças desde que eles existam para os seus pais. Muitas vezes, os medos não precisam de ter uma forma ou um nome. Basta que sejam referidos pelos pais. Ou, por mais que eles tentem resguardar os filhos daquilo que os assusta, basta que os pais oscilem, levemente, com o olhar ou dêem, em milésimos de segundo, um sinal subtil que os filhos interpretam como uma “luzinha” de alarme e que faz com que elas registem esse sinal, quase imperceptível, reagindo, de imediato. Esconder os medos dos filhos não os sossega! Antes pelo contrário. Porque eles os intuem, ao não terem uma “legenda” clara que os leve a sentirem-se esclarecidos, é natural que, em função dos sinais que “apanham” nos pais, fiquem apreensivos ou assustados. E, porque aquilo que escutam dos seus pais não só não os esclarece como, pelo contrário, adensa a aura de mistério que sentem neles, é de esperar que o silêncio dos pais “em cima”’do medo que sintam neles os assuste, ainda, mais. Portanto, entre viver os seus medos em silêncio ou vivê-los com uma “legenda” esclarecedora, fale daquilo que o/a assusta; por favor. Logo, começando pelo princípio, a saberem por alguém aquilo que entenda indispensável que eles saibam sobre o coronavirus, é importante que os seus filhos sejam esclarecidos pelos pais.
O passo a seguir, tem a ver com a forma como “explica” aos seus filhos os seus medos. Constatar os seus medos e assegurar as crianças que, por mais que eles existam, a sua determinação para os vencer é “imbatível” será, digamos assim, a “fórmula certa”. O que é mesmo muito importante para os seus filhos, em primeiro lugar, é que fique claro que: sim, “não há medos nem enigmáticos nem misteriosos para os meus pais”. A seguir: sim, “não consigo perceber muito bem a razão de ser dos medos dos meus pais mas, tudo leva a crer, eles parecem não vacilar quando se trata de os vencer”. Finalmente: “seja o que for que os faça tremer, os meus pais são assim uma espécie de “super-heróis” que, quais “exterminadores”, são implacáveis para tudo aquilo que me possa ameaçar”. Ou seja, por um lado, “fico descansado que eles tenham um ou outro medo porque, sendo assim, ao pé dos deles, os meus medos não são tão esquisitos assim”. E, por outro, “acredito que nada daquilo que os assuste me faça mal porque eles não deixam”!
Ora, em relação ao coronavirus, é importante que os pais falem as crianças duma doença com a qual, se não se tiver muitos cuidados, se pode ficar doente e, nos casos mais graves, se pode morrer. (Morrer não tem de ser um assunto interdito quando se trata dos pais falarem de perigos muito, muito graves.) E que, em função duma preocupação muito grande acerca daquilo que os pais entendem que é inegociável no comportamento dos seus filhos, eles (por enquanto) podem brincar com todos os colegas mas não podem andar aos abraços, nem se aproximar demais nem tocar neles. E não podem pôr as mãos na boca ou no nariz. E têm que lavar as mãos tantas vezes quantas as suas educadoras ou os seus professores entendam recomendar-lhes que o façam. E mais aquelas que — quer vão à casa de banho, estejam prestes a comer, ou no caso de espirrarem, por exemplo — os pais considerem ser indispensáveis.
Se os pais crêem que têm condições de retaguarda para que isso se dê — considerando o jardim de infância, por exemplo — não será alarmista que ponderem afastar os filhos do contacto com a escola pelo tempo que entendam ser razoável, de forma a que se minimize, de forma inequívoca, a cadeia de transmissão virusal. E, considerando as notícias que “circulam” nos tempos de família, lá em casa, era muito importante que o coronavírus ficasse restringido aquilo que os pais entendam ser indispensável. Isto é, informação de mais “à solta”, em sua casa, não representa um ganho por aí além para os seus filhos. Porque, entre aquilo que eles “apanham” no ar e as “versões” mais populares sobre o assunto que circulem no recreio, o verdadeiro “tutorial” sobre o assunto passa (sempre!) pela versão dos pais. De preferência, “alinhada” pela mãe e pelo pai. E, por mais que um e outro não tenham pontos de vista coincidentes sobre o assunto, é razoável que as divergências que possam ter sejam resguardadas do contacto com as crianças. Porque divergência de pontos de vista, por parte dos pais, “à vista” dos filhos, são dúvidas acrescidas à procura de explicação. E isso não é tão confortável assim para que uma criança se sinta segura.
Tudo o resto, dependerá das perguntas que os seus filhos, entretanto, lhe vierem a colocar. Ganha se os escutar, primeiro. Não se esqueça que eles têm pontos de vista que não perde se os discernir. E, depois, dê-lhes as explicações simples e claras que os ajudem a sossegar. Mas não se precipite nas explicações que lhes dê. Nem os alarme, por mais que a sua preocupação o atormente. Como lhe disse, bem gerido por nós, tudo este “vendaval” pode ser um factor de crescimento para eles. E para nós, também.