De quantos regressos às aulas se têm feito estes dois últimos anos escolares? E de quantos períodos cheios de momentos “fora do vulgar”? Desde máscaras e distanciamentos. Desde janelas abertas, agasalhos e mantinhas. Desde confinamentos e distanciamento escolar. Desde teletrabalho e aulas presenciais. Desde a escola a chegar a casa aos bocadinhos e tempos lectivos com aulas digitais que replicam os horários e os métodos de exposição habituais. Desde a conversão dum computador numa sala de aula e, simultaneamente, num espaço de jogo ou num “marco de correio” e a obrigação a um dress code, quando se está em casa, mesmo que se permaneça de calças de pijama e com pantufas. Desde o papel dos professores ao papel dos pais, a baralharem-se aqui e ali, ou desde a forma como “escola em casa” representou mais tensão, mais sacrifício, mais solidão e menos condições objectivas para aprender. Desde avaliações “normais” e avaliações que “fecham à hora”, e trazem inquietações, sobressaltos e erros por “nervoso miudinho”. Desde avaliações digitais num clima: “Sorria! Está a ser observado” a avaliações convertidas em “trabalho de equipa”, sem valor formativo, e com notas batoteiras. Desde reformulação nos planos de exames, que alteram notas e condições de acesso ao ensino superior, à sensação de que as regras vão mudando a meio do jogo, e “tudo” vale. Desde alunos que se encolhem na escola e cresceram para ela com o confinamento, àqueles que não toleram o telebralho, porque trabalham, sem clemência, sempre demais. Desde aqueles que conseguem estar atentos, aos bocadinhos, por uma jornada escolar, aos outros que fervilham de inquietação e de distracção diante de tantas “doses” de ecrã, e para quem quase tudo lhes passa ao lado. Desde aqueles que sobem as notas (de forma fulgurante) e “rebentam com a escala”, àqueles que — por vezes, de forma mais honesta — vivem as novas adaptações à avaliação escolar com sobressaltos, com dor e com dificuldades. Desde as subidas de notas, generalizadas, a todas as questões que a avaliação nos devia trazer, quando se trata de ponderar resultados e tirar consequências do valor da aprendizagem em mais uma quarentena. Ou desde os alunos com recursos digitais e famílias envolvidas, àqueles sem computadores, sem redes de dados e sem espaço nem condições habitacionais para aprenderem, como deviam.

Temos um ano de pandemia com um cansaço que vale por “dez”. Um ano em que, em vez dos miúdos lhe “fugirem”, tiveram a escola “a fugir”, aos bocadinhos, da vida deles.
Com dois anos escolares cheios de turbulências, como iremos ser capazes de as transformar em factores de aprendizagem, e como vamos criar períodos de aferição para que as desigualdades e as necessidades educativas não escalem e se multipliquem, já a seguir?

E como vamos fazer com as classificações do segundo período: terão um valor real, o seu valor ponderado será gerido professor a professor ou haverá uma norma, transversal a todos os alunos, que as tente puxar para parâmetros justos e equilibrados?

Como vai ser o próximo ano lectivo: normal, com as aulas a começar quando deviam, ou com uma primeira parte de recuperação, num primeiro período, a começar em Setembro, de forma a que escola crie espaços de aferição de conhecimentos que a todos protejam?

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E os pais, vão poder optar por reinscrever um filho num mesmo ano de escolaridade, mesmo que ele não tenha “chumbado” (se assim eles entendam ser isso mais protector para o seu desenvolvimento escolar, e sempre com o auxílio da escola nessa decisão), ou haverá um planeamento global que, a esse nível, dê coordenadas aos pais e os proteja de decisões precipitadas, quer num sentido quer noutro?

E as crianças que entrariam, em Setembro, no primeiro ano, é suposto que façam essa transição sem sobressaltos ou é recomendável que a sua entrada no primeiro ciclo seja adiada, em nome da recuperação das experiências de aprendizagem, das interações que foram sendo interrompidas e da liberdade que não tiveram?

Desculpem mas, para além do alívio dos pais com o regresso da escola e da ânsia dos filhos por voltarem às aulas, este aparente “não se passa nada” não pode ser. Quanto tempo, nestes últimos dois anos, a escola “valeu” como escola? E até que ponto todos os “remedeios”, de emergência, que ela nos trouxe terão compensado tudo aquilo que a escola (não por não ter querido dar) não conseguiu disponibilizar? E como vamos aproveitar, pegando em tudo o mais com que a pandemia nos surpreendeu, para reinventar a escola?

Este novo regresso à escola faz-se com os professores no meio de esforços tremendos para se adequarem as situações de aprendizagem e às condições, cheias de dificuldades, destes dois últimos anos lectivos. E a dividirem-se por aulas presenciais e ensino à distância. É tudo mais difícil, ainda! E faz-se com os alunos com assimetrias acentuadíssimas. Mas com eles ávidos de escola. Ansiosos por relações sem ecrãs a mediá-las. Com fome de ar, de vida e de recreios. Mas, ainda, com a escola a remetê-los para o distanciamento. E a impor limitações em relação às suas liberdades. Vai ser bom o regresso à escola, claro! Mas as escolas que se preparem para alunos mais “agitadotes” e mais tensos. Menos concentrados e mais atentos ao ar que respiram e às “moscas” com que se distraem. Mais ansiosos por intervir. Mais irrequietos, com mais picardias e sempre mais dispostos para “brincar”. E mais intolerantes a novas perspectivas de confinamento. E um bocadinho mais desafiadores e menos abertos a quaisquer restrições de movimentos. Mais alegres mas mais impacientes. Mais expansivos mas mais rebeldes. Preparem-se para o “furacão de vida” que, a partir de amanhã, está para chegar. E preparem-se para que estes alunos queiram compensar-se da proximidade que não tiveram, das amizades que lhes tiraram e dos “namoros” que interromperam. Dêem-lhes, por favor, nos primeiros dias, de cada nova fase deste regresso, três ou quatro para que “acertem contas” com o que não tiveram. Poupem, só por uns dias, no cumprimento dos programas para que eles falem pelos cotovelos. Cumpram com as regras mas deixem-nos correr. Dêem-lhes ar! E deixem que os professores se de dêem só como pessoas. “Mortos de saudades” deles. Mas que não passam sem o seu carinho. Deixem a escola espreguiçar-se! Deixem-nos respirar! E, depois, sim – só depois! – pensem em trabalhar.

Amanhã, quase um ano depois do primeiro confinamento, é “feriado” para os pais. E é “sábado” para os filhos. Amanhã não se trabalha!