Foi recentemente publicada a Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que visou o reforço das garantias dos contribuintes, a simplificação do sistema fiscal e a redução dos litígios tributários. A Lei surge na sequência de um relatório apresentado, em 2019, pelo Grupo de Trabalho para a Prevenção e Composição Amigável de Litígios entre o Contribuinte e a Administração Fiscal.
A maioria das medidas ora aprovadas, no sentido do reforço das garantias dos contribuintes, são de aplaudir. Mas o legislador devia ter ido mais longe em muitos aspetos. Podia ter começado por recuperar muitas das alterações já no Relatório sobre as Relações entre o Fisco e o Contribuinte, que data de 2009, cujas recomendações têm sido esquecidas durante todos estes anos. E ficou muito aquém das expectativas dos contribuintes portugueses, quer das exigências do período em que vivemos, quer do período pós-pandémico que se avizinha, com pressão e necessidades de receita fiscal acrescidas que se adivinham e todos os Estados irão acautelar.
No que respeita às alterações operadas no regime da prescrição das obrigações tributárias, o legislador poderia ter aproveitado a oportunidade para encetar uma revisão bem mais profunda, como um todo, do instituto da prescrição das dívidas tributárias. Incluindo a interpretação jurisprudencial que dele hoje se faz e que impede, indefinidamente, a prescrição das obrigações tributárias por atrasos que só à Administração tributária, ou aos Tribunais, são imputáveis. Melhor seria, a manter apenas as alterações ora aprovadas, que se aditasse uma norma, a final, no sentido de a prescrição ocorrer (como se verifica no processo penal e contraordenacional) quando decorra o prazo geral, acrescido de metade. Só assim se promoverá, neste contexto, como alegadamente se pretende, a certeza e a segurança que as situações tributárias exigem.
Quanto às alterações introduzidas quanto à caducidade das garantias prestadas em sede de execução fiscal, criou-se agora um regime mais complexo, que trará ineficiências e novos contenciosos processuais, por intermédio do qual o legislador, não só reconhece, como promove, o atraso na resolução dos litígios tributários. Sabemos agora que um prazo de quatro anos é considerado normal para que chegue ao fim um processo judicial tributário em primeira instância e que, excecionalmente, pode o mesmo ir até seis anos, sem qualquer justificação aparente. Por outro lado, e relativamente à alteração ora operada nas reclamações judiciais apresentadas contra atos ilegais praticados durante a execução fiscal, a expressão vaga à “matéria que afete a tramitação da totalidade da tramitação da execução” é desajustada e insuficientemente determinada e, certamente, implicará contencioso escusado que o legislador tinha a obrigação de evitar.
Quanto às mudanças realizadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária e da criação de uma nova fase procedimental que tanto tem sido aplaudida – a “reunião de regularização” – , trata-se de um novo procedimento burocrático, de difícil concretização, mesmo em fase pós-pandémica. Teria sido recomendável, a ser implementado, que se recorresse à utilização das novas tecnologias (telemática)s, a que já todos nos habituámos, de forma a torná-lo bem mais expedito, desconfiando-se, aliás, que ninguém terá questionado a Administração tributária sobre se dispõe dos meios humanos (ou tecnológicos) para, de forma normalizada, aceder a tais pedidos de reunião presencial e que têm também sido desaconselhados por razões de saúde pública. E no que respeita às coimas teria sido bem importante, sim, proceder a uma revisão geral das mesmas, no sentido de baixar substancialmente os respetivos limites máximos, pois são, na maior parte dos casos, desproporcionados à censurabilidade das infrações praticadas.
Em face da grave crise causada pela pandemia, virá a justificar-se, no curto prazo e até final do ano, muito provavelmente (e talvez pela primeira vez), em paralelo com outras medidas já em vigor, que o Governo avance com a criação de um regime excecional de regularização de dívidas tributárias, um novo “perdão fiscal”, tantas vezes criado por sucessivos Governos sem tão premente justificação e com vista a ajudar as famílias e as empresas a ultrapassarem as enormes dificuldades provocadas pela pandemia. E que será tão mais premente quando mais próximo estivermos do fim das moratórias, evitando recurso a outros impostos (que serão inevitáveis) e a mais empréstimos públicos.
A informatização dos serviços e dos procedimentos e dos processos tributários e as várias alterações legislativas que têm sido promovidas nos últimos anos requerem mesmo, com urgência, um novo Defensor do Contribuinte, livre e independente da Administração tributária. As idiossincrasias em que a função do atual Provedor de Justiça se traduz não são já compatíveis com a pressão e as necessidades recorrentes de receita, nem se revelam adequadas a combater a ausência de respostas por parte dos serviços, mormente da Segurança Social (que deviam mesmo voltar, por absoluta ineficiência, para o seio do Administração fiscal), nem são sequer congruentes com a especialização que a natureza e a complexidade das situações tributárias hoje exigem. Serão essas necessidades e a pressão acrescida de receita que se advinham para futuro próximo, na fase pós-pandémica, em que todos os Estados irão buscar receitas adicionais, que implicarão também o endurecimento da atuação das Administrações tributárias e que tornarão mais premente ainda a instituição desse novo ombudsman fiscal.