1 O défice atual: inquérito OCDE 2022-23

O estudo da OCDE recentemente divulgado com o título “Do adults have the skills they need to thrive in a changing world ?” inclui inquérito realizado nos países da OCDE sobre três dimensões cruciais nas competências dos adultos — entre 15 e 65 anos — tendo para nós interesse acrescido pois Portugal participou pela primeira vez. As competências analisadas incluíram a literacia (capacidade de comunicar-lendo e escrevendo — com o uso apropriado das lógicas semântica e sintática), a numeracia (capacidade de manipular símbolos e relações quantitativas) e a aptidão para resolver problemas (formulação do problema e obtenção da solução).

A comunicação social divulgou os resultados mais chocantes que vieram agora a lume: pior do que Portugal nas três competências só o Chile e os nossos adultos com Ensino Superior estão pior do que os do Secundário da Finlândia.

Para além destas conclusões muito preocupantes, este estudo também permite inferir outras conclusões, designadamente comparando com a Irlanda pois é um país pequeno e periférico da UE, que parte de uma situação socio-económica — há meio século, em 1973 — muito semelhante à de Portugal, pois nesse ano o PIB/capita em paridades de poder de compra usando a média da UE (15)  de 1995 (100) era de 66 para a Irlanda e de 65 para Portugal.

A comparação com a Irlanda ilustra bem a distância que nos separa:

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Distância que é maior na literacia (-28 pontos) do que nas outras competências (-22 e -16 pontos para Numeracia e Resolução de Problemas, respetivamente) até porque a Irlanda se situa ligeiramente abaixo da média nestas duas últimas competências.

Segundo a classificação da OCDE, os níveis de competências «1 e 1» são claramente inadequados aos modernos postos de trabalho, os níveis 2 e 3 correspondem ao aceitável e os níveis 4 e 5 a boa e muito boa capacidade. Infelizmente, Portugal apresenta percentagens alarmantes e homogéneas para os primeiros dois níveis:

Ou seja, cerca de 40% da nossa população entre 15 e 65 anos  não está adequada ao mundo laboral moderno.

Para a generalidade dos países e para a própria média da OCDE, as três competências em estudo mantêm-se semelhantes para os grupos 15 a 24 anos e 25 a 34 anos caindo para os restantes escalões etários, mas tal não acontece com Portugal pois a queda inicia-se entre estes dois grupos com cerca de 15 pontos para literacia e numeracia e de 10 para a terceira. Ou seja, o nível médio de competências do grupo etário 25-34 anos o qual já beneficia de maior escolarização e que terá vivido o seu percurso escolar em boa parte na primeira década deste século, afasta-se ainda mais da média da OCDE.

2 O défice futuro: TIMSS 2023

O projeto TIMSS coordenado pelo Boston College é, por certo, o mais reputado estudo de competências em Matemática para o 4.º e 8.º anos de escolaridade, dispondo já de longos estudos longitudinais, pois o primeiro inquérito é de 1995. Infelizmente, Portugal só participou em 2019 e 2023 para o 8.º ano, mas para o 4.º ano já obtivemos os resultados para 2011, 2015, 2019 e 2023. Apresentam-se seguidamente os resultados em comparação com a Irlanda:

Estas duas evoluções mostram bem como Portugal parte de melhor desempenho no início da segunda década deste século para o 4.º ano e melhora até 2015, mas quando se inicia a política educativa dos Governos liderados pelo PS, os resultados iniciam descida significativa de 23 pontos no caso do 4.º ano (518-541) entre 2015 e 2023 e de 25  para o 8.º ano (475-500) entre 2019 e 2023, não se podendo usar o argumento do COVID pois a Irlanda também foi assolada pela epidemia.

As causas deste insucesso já estão bem estudadas e podem resumir-se a 4 vetores: desorganização curricular contrariando as recomendações das sociedades científicas da especialidade, redução dos sistemas de avaliação e consequente esbatimento dos instrumentos de incentivo, confrontação quase permanente com a classe dos professores, e, por último, desastrosos processos de informatização e de digitalização do ensino, reduzindo-os à compra de computadores, em atraso e sem a necessária manutenção.

Em boa hora o atual Governo está a procurar reparar os danos desta guerra perdida para os nosso alunos mas as consequências futuras deste novo défice são inevitáveis e irão, certamente, surgir no próximo inquérito da OCDE sobre competências dos adultos.

Em suma, e apesar de já termos celebrado meio século de 25 de Abril, estaremos a completar o primeiro quartel do século atual com défice grave no capital humano o qual parece estar a ser mais difícil de corrigir do que o próprio défice financeiro, paradoxo também resultante do próprio défice educacional e  de este ser bem menos noticiado e debatido do que o das contas públicas.