Quando ouço alguém reforçar muito uma ideia, desconfio. É o que tem sucedido com o orçamento de estado para 2018 quando tantos insistentemente o qualificam de ‘prudente’, ‘histórico’, dentro de uma estratégia de ‘rigor’. É muita fruta para um país que já foi intervencionado três vezes em menos de 40 anos. Porque eu, e muitos como eu, cresci com o ‘rigor’, o ‘prudente’, o ‘sustentável’ repetidos vezes sem conta ao ponto de deixarem de significar o quer que seja.

Mas os últimos orçamentos preparados por Mário Centeno, e certamente orientados por António Costa, apresentaram uma novidade: misturam tudo. Não há quem não seja contemplado, mesmo que (e aqui temos a arte da verdadeira mistura) na miscelânia se acabe por retirar o que se deu. Exemplifico na parte em que fui considerado neste orçamento. Não sendo directamente beneficiado por qualquer medida concreta, o orçamento devia-me agradar no que toca ao défice. Na verdade, 0,2% do PIB é um recorde absoluto que só pode deixar satisfeito alguém tão obcecado pela dívida como eu.

Ora, é precisamente aqui que começa a misturada. Um leitor atento já reparou que 0,2% do PIB é défice e que logo de seguida me refiro à dívida. Realidades completamente diferentes. Diversas, mas que Centeno e Costa misturam, confundem, como se fossem o mesmo. A estratégia é compreensível quando boa parte do país apenas em Maio de 2011 percebeu o que era o défice das contas públicas. A estratégia é esperta quando a grande maioria (muitos comentadores incluídos) ainda não distingue o défice da dívida.

E o maior erro que daqui resulta é a convicção que com um pequeno défice o Estado tem margem para reagir a uma nova crise. A ideia que o governo, perante uma nova crise, pode gastar mais porque de 0,2% até 3% do PIB há um longo caminho, esquecem por completo o valor da dívida pública que, em Agosto último, foi de 249,3 mil milhões de euros, cerca de 124,9% do PIB. Esquecem que a margem para intervir é ter uma dívida inferior a 60% do PIB: o valor recomendado pelas regras europeias porque correcto e não correcto porque recomendado pelas regras europeias.

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Outro erro muito comum é que os excedentes orçamentais significam necessariamente uma redução da dívida pública. Tal não é verdade como se pode ver nos EUA, durante a Administração Clinton. Entre 1998 e 2001, o orçamento federal dos EUA foi excedentário. No entanto, a dívida pública foi aumentando. Porquê? Porque a eliminação do défice não se deveu a uma redução da despesa, mas a um aumento da receita por virtude da expansão económica dos anos 90. Findo esse período de crescimento económico, os excedentes orçamentais desapareceram, os défices impuseram-se e a dívida que nunca parou de subir, disparou.

Analisar o que se passou nos EUA é importante para que não se caia no erro de que o perigo passou e agora há margem para gastar. Não há; nunca houve e não vai haver tão cedo. 60% do PIB, lembram-se? Há quem diga que só em 2050. Sinceramente, não acredito. Assim, quando se menciona que o orçamento é prudente, é bom que não nos esqueçamos que prudente é reduzir substancialmente a dívida pública. Que política social é impedir que o estado social colapse com a próxima crise. É permitir que daqui a 20, 30 anos os portugueses de então tenham cuidados de saúde, já não digo melhores, mas equiparáveis aos nossos. Isto é responsabilidade social. Isto é prudência, rigor e pugnar pela sustentabilidade das contas públicas. O resto, lamento, é mera confusão e engodo.

Advogado