Há quantos anos são conhecidas as suspeitas sobre Luís Filipe Vieira? Vários, mas isso não impediu os vivas à excelente gestão da direcção benfiquista. Sócrates era fabuloso, mas o Estado português só não faliu porque o país foi intervencionado. Os administradores da PT eram extraordinários, mas a empresa tornou-se numa sombra do que foi. Ricardo Salgado era um deus da banca até que o que se segredava não ser bem assim se tornou público. Berardo foi outro que ia à televisão perorar sobre o país e dar conselhos como grande empresário que se dizia ser e que poucos questionavam. Centeno será o mago das finanças até ao dia em que se comprovar que o excedente orçamental obtido em 2019 foi circunstancial. Costa é inteligentíssimo porque ninguém questiona as meias-verdades; Marcelo agrada a gregos e troianos, não por ser irrelevante mas devido ao seu incomensurável talento. É interessante, porque reveladora, esta tendência para considerar como providenciais homens que não passam de homens; o reconhecimento público da extrema competência de alguém só porque ligado ao poder político. Possivelmente é apenas mais uma reminiscência do regime salazarista. Possivelmente as origens até serão mais longínquas e Salazar limitou-se a conhecer (e a gerir) a alma portuguesa. O país, que é saudosista e melancólico, gosta de embarcar em ondas de entusiasmo que o fazem esquecer o que é e aceita tudo e um par de botas como fantástico e redentor. Depois (quando já é tarde) acorda.

Uma característica das pessoas que se entusiasmam muito é que se indignam ainda mais quando se vêem defraudadas. Por isso Portugal está cheio de indignados. Gente que acredita plenamente no conto do vigário, se sente traída quando descobre a verdade e que, para compensar a desfeita, se lança cegamente noutra crença. Por algum motivo após o período entre 2005-2011 tivemos o que se iniciou em 2016. À época era tudo fantástico. Lembram-se do mítico 13 de Maio de 2017? Nesse famoso dia Portugal ganhou o Festival da Eurovisão, o Papa Francisco visitou Fátima e o Benfica ganhou o tetracampeonato nacional. O país explodiu de euforia. Um mês depois aconteceu Pedrógão. Mas Marcelo iniciara o mandato a pedir menos crispação, menos discussão. “Já bastam os problemas internacionais e europeus, que são muitos. Não vamos somar agora problemas nacionais“. Antes de mais nada, sossego. Salazar não estaria mais de acordo. Atempadamente, PS, BE, PCP e Rui Rio foram dando o seu aval.

E a vida continuou.

Até que chegou a pandemia ou, se preferirem, o Diabo. O nome que se dá ao que sucedeu em 2020 pouco importa porque o que interessa é que tornou evidente que Portugal vivia um conto de fadas.   Podemos ter as ilusões que quisermos, mas o tempo comprovará que, com as actuais políticas, tão cedo não teremos excedentes orçamentais; a dívida continuará a galopar e os fundos europeus, que visavam ajudar as empresas privadas e as famílias, vão ser gastos no Estado. Nessa altura a indignação falará mais alto. Entretanto, as autoridades continuarão a enterrar-nos debaixo de aventuras entusiasmantes. Um dos casos mais exemplares é o da TAP. A 19 de Maio de 2020, Pedro Nuno Santos dizia no Parlamento o seguinte: “Porque quem manda no dinheiro do povo português é o povo português, representado pelo Governo/Estado. O Estado português auxiliará a TAP quando entender”. O entusiasmo do ministro era evidente. Com um raciocínio que se resume a ‘o que é vosso é representado pelo Estado e quem manda no Estado somos nós’, não é caso para menos. A factura também vai pelo mesmo caminho com uma ligeira diferença: é que, apesar de tudo, ‘eles’ só nos representam, não se responsabilizam. Quem paga é mesmo o dono do dinheiro. E quem é o dono do dinheiro, Pedro Nuno Santos teve o cuidado de o mencionar. Entretanto, a TAP prepara-se para despedir 124 trabalhadores. Naquele longínquo dia que ocorreu no ano passado, o mesmo Pedro Nuno Santos declarava-se preocupado em salvaguardar os postos de trabalho nas empresas da TAP e da própria TAP. Tal como o vírus a austeridade tem muitas variantes. Umas doem enquanto de outras não se fala.

A realidade é de tal forma mais forte que a narrativa cai com esclarecimentos breves e simples. Por exemplo: quem são os credores da TAP? A resposta dar-nos-ia uma luz sobre a importância de ‘salvar’ a TAP, já que proteger os empregos de quem lá trabalha não parece ser o motivo principal. Acima de tudo, esta informação colocaria um ponto final no entusiasmo, na credulidade com que a maioria encara os episódios socialistas e evitaria muita indignação desnecessária.

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