Tirando o presidente Trump, não deve haver maior bode expiatório na comunicação social portuguesa do que o Estado de Israel. E se é certo que o primeiro tem ajudado a justificar o péssimo tratamento dado a Israel, como no recente caso da mudança da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém e dos recontros mortíferos entre palestinianos e israelitas, há muito tempo que as críticas ao Estado de Israel, vindas desde a ONU e a UE ao Vaticano, não param de aumentar de tom e de frequência. Tem-se tornado, pois, cada vez mais difícil dizer algo em defesa de Israel e das decisões políticas e militares que os seus governos democráticos têm sido levados a tomar.

Isso é particularmente difícil nos países católicos, para cujas populações os judeus continuam a ser aqueles que mataram Cristo. Conto uma história pessoal a este propósito. Fazendo eu então o que chamamos «trabalho de campo», acompanhei há anos um jovem casal com dois filhos pequenos acompanhados pelos pais de um dos membros do casal na subida ao Santuário da Peneda. Percorrendo as sucessivas capelas conduzindo à igreja, o casal deteve-se a certa altura diante da «Flagelação de Cristo» e o marido perguntou à mulher: «Estás ver o que eles Lhe fizeram?»

A pergunta estava respondida para qualquer católico, crente ou não: podia-se ouvir o L maiúsculo. Mais tarde, contei o episódio a um grande antropólogo de ascendência judaica, Isaac Chiva, que sorriu tristemente ao ouvir o meu relato. Aos 16 anos, em 1941, ele assistira ao massacre dos judeus da sua cidade natal. Está, pois, quase tudo dito acerca dessa «questão judaica» que Karl Marx pretendia resolver, em 1843, chutando para a frente o espinhoso problema da «emancipação» dos judeus, a qual, na opinião dele, só se faria no dia em que toda a humanidade se emancipasse também…

Por causa destas e de outras, como o maior genocídio praticado na Europa – o Holocausto de 6 milhões de judeus durante a 2.ª Guerra Mundial – é que a minoria sionista, parte da qual ocupava já colonatos (Kibbutzim) na Palestina antes da guerra, convenceu os judeus a emigrar em massa para o território palestiniano sob mandato britânico. Aí recuperaram o hebraico como língua corrente, desenvolveram a região e fizeram-se «israelitas».

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A partir daqui, começa a «história do ovo e da galinha» da maioria dos conflitos milenares. A quem pertencia a Palestina histórica? Aos muçulmanos que a tinham ocupado depois de os judeus terem sido expulsos pela Roma imperial? Ou aos fundadores de Israel, faz agora 70 anos, com o êxito como Estado e como país que sabemos? Com o advento da ONU e o apoio dos USA e da URSS, depois da saída dos britânicos, os poderes diplomáticos dividiram a região entre judeus e palestinianos. Estes últimos nunca saíram, porém, da órbita directa ou indirecta dos países muçulmanos que se formaram entretanto, como a Jordânia, onde 10.000 palestinianos foram assassinados e os restantes expulsos no «Setembro Negro» de 1970…

Não possuo competências específicas na matéria nem pretendo dirimir um conflito inextricável em que todos os participantes têm certamente as suas responsabilidades. O que importa é que nem a tentada experiência de vida em comum de árabes e judeus no território de Israel, nem tão pouco a divisão pacífica do território primitivo em dois Estados independentes, jamais funcionaram e, provavelmente, nunca funcionarão.

O que sucede desde a última guerra entre Israel e as várias coligações muçulmanas, em 1973, é que o conflito se internacionalizou totalmente, tornou-se parte integrante das estratégias internacionais das grandes potências com um papel crescente dos países produtores de petróleo, e com o fazer e desfazer das alianças entre eles. Se é verdade que a Palestina permanece internamente dividida e sem capacidade de acção própria, o isolamento diplomático e militar de Israel é cada vez maior. O conflito entre as duas populações tornou-se permanente e sem solução à vista. A ONU não tem qualquer peso.

Israel está, pois, entregue a si próprio. Ninguém imagina, contudo, que possa ceder às manipulações ideológicas das várias potências, em especial daqueles para quem a religião faz as vezes de razão. Neste contexto, é legítimo acusar a cegueira dos países europeus perante crenças religiosas arcaicas como certo catolicismo. O anti-semitismo é uma invenção europeia que é tempo de ultrapassar, sobretudo numa conjuntura em que o terrorismo islâmico não vai largar países de forte imigração muçulmana, como a França e a Inglaterra.

Mais do que isso tudo, a Europa tem uma dívida cultural e humana imensa, sem preço, para com o povo de Israel, a começar pela Bíblia até à infinidade de judeus e judias que melhor do que ninguém absorveram as grandes questões da cultura e da arte europeias, em especial a filosofia, a literatura e o pensamento em geral, como a teoria e a acção políticas. Não há uma profissão qualificada nem um registo cultural relevante sem uma assinatura judaica. Basta lembrar que, das três escassas dezenas de livros impressos em Portugal no século XV, dez eram escritos em hebraico. Ora, desde a expulsão dos judeus em 1492 e o «pogrom» de 1507, nos últimos cinco séculos não parámos de nos atrasar!