Com tudo o que nos anda a ser prometido, temos de nos preparar para a combinação de três cenários. Um é as promessas não estarem ou não virem a ser cumpridas, outro é a degradação de serviços públicos menos expostos ao mediatismo. como já aconteceu, e em terceiro lugar um novo colapso financeiro do Estado. Porque não vai haver dinheiro para o país de almoços grátis que se está a prometer.

Trazemos uma carga de dívida pública já muito elevada que a pandemia, e bem, impediu que se controlasse melhor. E as perspectivas de crescimento mais robusto pura e simplesmente não existem. Assim que for corrigido o efeito da pandemia, o que se espera é o regresso dos crescimentos pouco superiores a 2%, sem que se veja o efeito a longo prazo do plano de recuperação ou do novo quadro comunitário de apoio.

Entrámos, como sempre, nesta altura de pré-discussão do Orçamento do Estado, na fase do “bacalhau a pataco”, agravado este ano pela aproximação das eleições autárquicas. No discurso do Primeiro-Ministro no Congresso do PS ouvimos uma lista de promessas, todas elas com custos orçamentais acrescidos, sem que nos tenhamos apercebido de medidas que possam promover o crescimento sem ser pelo consumo ou que promovam a eficiência, designadamente da administração pública. Dos partidos que apoiam o Governo, PCP e Bloco de Esquerda, a atitude é a mesma, estando aliás o PS a prometer para que o Orçamento seja viabilizado.

Mas do lado do PSD também não nos apercebemos de uma atitude diferenciadora. Rui Rio, por exemplo, propõe uma descida do IVA da restauração para 6% durante dois anos, argumentando com a necessidade de apoiar um dos sectores que mais sofreu com a pandemia.  Não nos bastou o erro de ter baixado o IVA da restauração em 2016 – por via de uma promessa de conquista de votos por parte de António Costa – e que na altura significou, no mínimo, menos 300 milhões de euros de receita nesse ano. Foi com certeza uma das medidas mais irracionais deste Governo, a par da redução do horário de trabalho da administração pública de 40 para 35 horas semanais. E Rui Rio parece querer ir pelo mesmo caminho.

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O Estado Social é obviamente um pilar fundamental da sociedade portuguesa em particular e da europeia em geral. Temos um contrato com o Estado para nos apoiar financeiramente na velhice, na doença e no desemprego, por contrapartida das contribuições que pagamos. E igualmente pelos impostos e contribuições, valorizamos, como sociedade, o combate à pobreza e à desigualdade. Tal como por via dos nossos impostos queremos, como sociedade, uma Educação acessível e de qualidade para todos e um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito e com respostas de qualidade para todos. É esta a sociedade que, poucas ou nenhumas dúvidas existem, a esmagadora maioria dos portugueses quer ter.

O medo que o Governo inspira é que estejamos a destruir o Estado Social com as promessas e medidas impossíveis de pagar a prazo. Se ao menos víssemos medidas que procurassem a eficiência – fazer mais com menos – ou tivéssemos no horizonte a perspectiva de mais crescimento, o conforto seria outro. Mas aquilo que vemos é o Governo a negar a existência de qualquer problema no sistema público de pensões e a ignorar a proliferação de apoios sem uma preocupação mínima de avaliar essas políticas públicas e perceber se cumprem os objectivos para as melhorar. Na Educação, a degradação do ensino público tem cavado as desigualdades. Na Saúde assiste-se exactamente à mesma degradação que faz do SNS o serviço dos mais pobres, das catástrofes, como a pandemia, ou dos que caminham para a morte.

Marta Temido é injustamente olhada como a ministra mais popular, com a pandemia a ter ditado o esquecimento do que se fez ao SNS para controlar as contas públicas, antes da pandemia. Esquecemo-nos, por exemplo, como Adalberto Campos Fernandes, o ex-ministro da Saúde, enfrentou dificuldades em entender-se com o então ministro das Finanças Mário Centeno, um dos artífices da forma como se chegou ao equilíbrio orçamental. A pandemia encontrou o SNS depauperado e, por muitas estatísticas que o Governo construa, há uma vida da saúde para além da pandemia que é um problema grave. E que tenderá a agravar-se caso o Governo insista em soluções como a exclusividade dos médicos, em vez de pagar devidamente aos médicos e enfermeiros e investir racionalmente no serviço nacional de saúde.

Passada a pandemia, o pior que nos pode acontecer é assistir exactamente à mesma abordagem de reequilíbrio das contas públicas, a receita Centeno, que passa por manter a pão e água, sem racionalidade, tudo aquilo que não se percebe nem se vê, com a cumplicidade do Bloco de Esquerda e do PCP, como aconteceu na primeira legislatura.

Lamentavelmente é a isso que estamos a assistir, à repetição da receita Centeno. Muitas promessas, muita despesa que satisfaz grupos com voz no espaço público, sejam órgãos de comunicação social ou redes sociais, e cortes na despesa que não é exposta mediaticamente. Vamos continuar a ver o SNS a degradar-se, a Educação a degradar-se, a pobreza e a desigualdade a não serem combatidas porque é preciso dar dinheiro a quem grita mais alto. E continuaremos a assistir ao adiamento de mudanças na administração pública, que vive falta de perfis profissionais numas áreas e excesso noutras, mas que a falta de coragem política impede que se faça o que tem de ser feito. Com a agravante de termos agora alguns serviços públicos desestruturados pelos maus hábitos que a pandemia criou em alguns funcionários.

Pequenos sinais começam a ser dados sobre os efeitos das restrições financeiras que podem chegar. Veja-se, por exemplo, a redução das comparticipações da ADSE, a nova tabela que arrisca tornar o sistema pouco atractivo, quando era o melhor que o país tinha.

Promessas por cumprir, cortes em despesa que não é mediática e o risco sempre presente de colapso financeiro do Estado é a combinação de cenários que vamos ter em mais este ano de 2022, disfarçado pelos milhares de milhões do Plano de Recuperação e Resiliência.

Os mais pobres e a classe média que se preparem para tempos que não serão fáceis, especialmente para quem precisa de casa, educação e saúde pública ou aguarda daqui a uns anos a sua pensão de reforma.

É de facto irónico que quem mais juras públicas faz pelo Estado Social constitua a sua maior ameaça. Não se garante o Estado Social prometendo tudo a todos, sem qualquer preocupação de nos tornarmos todos mais ricos e menos dependentes do Estado. Seremos todos pobres a viver de apoios de um Orçamento magro porque não há impostos e contribuições para cobrar numa economia que produz pouco. Parece ser esse o sonho de alguns governantes, fazer de cada um de nós um funcionário público ou um subsídio-dependente. Esperemos estar enganados.