Saiu recentemente um estudo da OCDE sobre a mobilidade social em vários países, incluindo Portugal. Este estudo traz à tona uma realidade facilmente verificável: a mobilidade social em Portugal é inexistente. Os filhos dos pobres estão destinado a ser pobres e os filhos dos ricos estão destinado a ser ricos.

Corrigir esta desigualdade não é fácil. Claro que um pobre terá sempre menos possibilidade de ajudar os seus filhos a serem bem sucedidos que uma pessoa rica. Existem contudo mecanismos que o Estado pode e deve usar para tentar que ricos e pobres tenham iguais oportunidades de utilizar as suas capacidades para construir uma carreira. O mecanismo mais evidente é a escola.

Infelizmente em Portugal a Escola Pública falhou. O estudo da OCDE demonstra que o factor preponderante para o sucesso profissional em Portugal não é a educação, não são as capacidades pessoais, mas sim a herança.

A Escola Pública devia servir, antes de mais, para proporcionar aos mais pobres a possibilidade de, a nível de educação, estarem em igualdade de circunstâncias com os mais ricos. Mas é evidente que não estão nem próximos.

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Este facto não me espanta. Aliás, a pergunta não é como é que é possível a Escola Pública não ser capaz de funcionar como ascensor social, mas sim, como seria possível que isso acontecesse? Digo isto porque o sistema escolar não está pensado para os alunos (nem sequer para os professores em geral), mas para satisfazer os sindicatos e a máquina de doutrinação do Ministério da Educação.

Imaginemos uma escola pública onde foi colocado um bom professor. Os alunos gostam dele, ele consegue fazê-los interessarem-se pela matéria, desenvolver as suas capacidades. Chega ao fim do ano, novo concurso e o professor é enviado para outra escola. Para o substituir chega um mau professor, os miúdos rapidamente se desinteressam e todo o trabalho do ano anterior vai por água abaixo. Diante disto o que pode fazer a direcção da escola? Nada. Que podem fazer os pais? Nada. E a verdade é que um mau professor estraga mais do que aquilo que muitos bons professores conseguem fazer.

Imaginemos que a direcção da escola percebe que no contexto daquela escola é preciso adaptar de alguma forma os programas escolares. Seja para os tornar mais puxados, seja para colmatar falhas de aprendizagem anteriores dos alunos. O que pode fazer? Nada.

Imaginemos que a direcção da escola sabe que a maior parte dos seus alunos quando sai da escola está sozinha em casa e não tem quem os ajude a estudar. Para combater este problema quer criar um programa de apoio ao estudo dos alunos, cortando custos de algumas despesas de modo a contratar alguns professores para acompanharem os miúdos fora do horário lectivo. O que pode fazer? Nada.

Imaginemos uma escola onde um mau professor ficou efectivo. Todos os colegas reconhecem que aquele professor é um problema. A direcção sabe que a comunidade escolar iria beneficiar da sua saída. O que pode fazer? Nada.

Imaginemos que na zona de residência da criança há uma escola que funciona mal. Na zona onde os pais trabalham há uma escola que funciona bem. Os pais preferiam que ele frequentasse a escola da zona onde trabalham. Que podem fazer? Nada.

Imaginemos uma escola onde existe um grupo de pais e professores entusiastas, que tem um projecto para adaptar a escola às necessidades da comunidade escolar. O que podem fazer? Nada.

A verdade é que os pais nada podem fazer relativamente à escola dos seus filhos. Podem tentar resmungar aqui e ali, pressionar através da Associação de Pais, mas estão sempre dependentes da boa vontade dos professores.

Mas o pior é que os professores também pouco podem fazer relativamente à escola. Mesmo que sobrevivam intactos aos concursos e acabem efectivos numa escola, vivem submetidos, tal como a direcção da escola, à vontade dos mandarins da 5 de Outubro.

Aqui entra a diferença entre ter dinheiro e não ter. Quem tem dinheiro pode enviar os filhos para um colégio privado, pagar explicações, comprar manuais de apoio. Provavelmente os filhos conseguem mais apoio em casa, têm mais condições para estudar. Quem não tem dinheiro está totalmente submetido à lotaria do ensino público, sem possibilidade de prestar qualquer outro apoio aos seus filhos. Uma pessoa que sai de casa de madrugada para ir trabalhar, volta já à noite, que ao fim do mês leva para casa o ordenado mínimo e tem dificuldade em sustentar os filhos nunca conseguirá pagar explicações de matemática ou comprar os resumos da Europa-América!

A única solução para tornar a Escola Pública num ascensor social real é organizá-la em torno dos alunos e não da máquina do Ministério da Educação. É urgente dar mais autonomia às escolas, aos professores. Dar poder real aos pais e às comunidades locais. Criar escolas onde o critério seja qual o projecto educativo mais apropriado para aquela realidade concreta.

É urgente acabar com este modelo de Escola Pública = Escola do Estado e criar uma verdadeira Escola Pública, construída com e para as comunidades locais. Uma Escola Pública onde o Ministério da Educação só entre como última instância e não para regular todo e qualquer pormenor.

O debate sobre a Escola Pública acaba sempre marcado pelas queixas dos e contra os professores; pelas queixas sobre o dinheiro gasto, a mais ou menos; sobre o número excessivo ou curto de escolas. Ora, o problema não é se o actual modelo de Escola Público está ou não a ser bem aplicado. O problema é o próprio modelo, que urge ser substituído. Até lá, os ricos continuarão a educar os seus filhos como querem e os pobres continuarão sujeitos aos caprichos da 5 de Outubro.

Jurista