Segundo o cientista político Jon Elster (1986), a vida política em geral e a democracia em particular são idealmente constituídas por dois campos: o fórum e o mercado. No primeiro, encontra-se o conjunto dos cidadãos a fim de formularem aquilo que desejam das instituições políticas; no segundo, encontra-se o conjunto de pessoas que se propõem representar os cidadãos, através dos partidos de que fazem parte e aos quais compete interpretar e executar o conjunto de desejos expressos com maior ou menor força no «fórum».

Realisticamente, todos sabemos que este sistema de representação correspondente ao ideal da democracia ateniense está longe de funcionar de forma transparente e que, entre os representados e os representantes se interpõem nomeadamente os meios de comunicação social bem como os «lobbies», desde as associações patronais aos sindicatos e outros interesses organizados. O sistema funciona em princípio em permanência mas tem o seu momento privilegiado nas eleições, as quais são precedidas de campanhas onde os candidatos à representação política se apresentam perante o fórum a fim de este os escolher por um determinado período.

É o que se passa neste momento entre nós. Ora, sabemos pelos estudos realizados que, na prática, em Portugal, a comunicação entre o fórum e o mercado dos representantes é escassa e que essa comunicação está reduzida à comunicação social, à qual, por seu turno, está longe de ser transparente, ou seja, não só tem dificuldades de informação como também têm interesses a defender. Em Portugal, esta situação é tanto mais acentuada que a literacia em geral e o interesse pela vida política em particular são muito baixos.

Finalmente, as sondagens de opinião dos órgãos de comunicação têm grande dificuldade em contactar cidadãos disponíveis para revelar as suas intenções eleitorais, sendo impossível conhecer de antemão a percentagem de pessoas que se absterão mas não o dirão aos entrevistadores, pois é um acto mal visto. O fenómeno da abstenção é, em Portugal, tanto mais difícil de controlar estatisticamente quanto o próprio sistema político-partidário tem contribuído para aumentar o número de leitores inscritos em Portugal e nos países de emigração.

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De tal modo que, neste momento, os cadernos eleitorais foram aumentados para valores que ultrapassam os eleitores residentes em Portugal, quando o país não tem feito se não perder população e os jovens sem direito a voto ainda são 1,5 milhões. Seja, pois, qual for o número de votantes, nunca conheceremos ao certo o número de abstencionistas aos quais é de acrescentar os brancos e nulos… A gravidade do défice de representação política em Portugal é enorme assim como a falta de identificação dos eleitores com os eleitos. Isto é um facto e, quanto a mim, um dos mais importantes aspectos da crise da representação política em Portugal.

Manifestamente, os partidos em presença na competição eleitoral, com excepção de algumas «marcas» de interesses particulares surgidas recentemente, são os mesmos que em 1976. Dir-se-á: feliz país… Talvez… Mas sem evolução de qualquer espécie! Daí, aliás, a multiplicação do fenómeno do recrutamento familiar tanto a nível central como local, assim como do clientelismo de Estado, conforme se viu depois do fim da crise em 2014, com o aumento exponencial de funcionários públicos, incluindo «precários», e das pensões: segundo as últimas estatísticas, em 2017, quase metade da população adulta receberia algum tipo de pensão do Estado!

O sistema político-partidário está, pois, totalmente fossilizado. Desde 1976 – 43 anos! – houve apenas duas reformas a sério: a alteração constitucional de 1988 que desnacionalizou a economia estatizada em 1975 e a adesão ao euro em 2001, que obrigou o país a acertar o passo pela Europa, com grande dificuldade é certo, mas com a necessidade permanente de se adaptar às novas conjunturas sob a protecção de um bloco como a União Europeia.

Em contrapartida, por cá, após os últimos quatro anos de estatização e clientelismo, Portugal chega às próximas eleições com a carga fiscal que mais subiu depois da crise; com o comércio a cair mais do que no resto da Europa apesar do «boom» turístico; e, curiosamente, aquele onde a taxa de inflação é mais baixa, a demonstrar justamente a incapacidade de ajustar a economia a um crescimento palpável e regular, como seria ideal, em vez de andarmos de solavanco em solavanco desde o início do século XXI.

Na fase actual, o meu prognóstico é que as eleições continuarão a ser marcadas pela crise da representação materializada pela abstenção maciça, enquanto os votantes efectivos se pautarão pelos benefícios que terão ou não recebido da «geringonça». A pobreza das jornadas de propaganda partidária transmitidas pelos «media», bem como a desesperante falta de interesse dos debates televisivos comentados pela televisão, são a prova provada da falta de mobilização de uma campanha sem alternativas.