Numa das autoestradas que ligam Portugal (leia-se Lisboa) à paisagem (leia-se o resto de Portugal), noto na sua proximidade um gigante cartaz com uma sorridente Catarina Furtado anunciando que com aqueles óculos conseguia ver um futuro sustentável. Como assim, um futuro sustentável, Catarina? Essa tua fotografia até está colocada entre canas-da-índia e eucaliptos, duas espécies invasoras, lembrando-nos do mal que está a nossa floresta! Irónico…
Continuei a minha viagem a pensar nesse futuro sustentável, nesse amanhã verde, social e financeiramente próspero. Os ODSs! As Nações Unidas criaram os 17 Objectivos do Desenvolvimento Sustentável para servir de bússola para o futuro melhor, havendo indicadores que permitem saber a que ritmo e em que direcção nos deslocamos enquanto espécie neste pequeno planeta. Baseado nestes preceitos, esperamos que num futuro de 9 mil milhões de pessoas haja mundo que lhes permita mais do que simplesmente sobreviver.
De um modo muito sucinto, analisemos os últimos resultados oficiais dos indicadores do futuro mais sustentável para todos. Pela positiva: temos que a pobreza tem vindo a decair no mundo nos últimos 30 anos (mas essa queda regrediu imenso no pós-covid); ainda que com imenso por fazer, as mulheres têm vindo a encontrar mais espaços em sociedades que se recusam e recusavam a aceitá-las como iguais; as tecnologias têm vindo a facilitar imensos processos, ajudando comunidades remotas e trazendo o desenvolvimento aos mais desfavorecidos; estima-se que até 2030, 94% da população global terá acesso a água potável, têm-se dado largos passos para que a dependência energética de combustíveis fósseis diminua.
Pela negativa: a escravatura tem vindo a aumentar exponencialmente nos últimos anos, especialmente entre mulheres e crianças; nos últimos três anos, a fome no mundo tem vindo a aumentar e com certeza irá continuar a aumentar, dada a escassez de produtos básicos, a escassez de cereais, as secas de 2022 e outros desafios ambientais; ainda que as tecnologias nos ajudem cada vez mais a ter uma vida mais saudável, o número de doenças cardiovasculares e de cancros tem vindo a aumentar; nalgumas partes do globo, o acesso à saúde melhorou nos últimos cinco anos, mas piorou em zonas mais pobres, devido a conflitos e às disrupções que a covid-19 originou; até 2030, são necessários mais 69 milhões de professores, mas dada a falta deles em países mais desenvolvidos, desinteresse por parte de alunos e dificuldade em trazer ou formar professores em áreas mais sensíveis, este objectivo aparenta ser muito difícil de alcançar; um dos maiores problemas que as mulheres enfrentam é a mutilação genital feminina, que se espera que aumente; ainda que se tenham plantado jardins e árvores, as cidades estão a tornar-se mais e mais insustentáveis: mais gente, menos habitação, mais poluição; o consumo, que deveria ser mais sustentável, com a infinita quantidade de efémeros produtos que nos chegam às mãos diariamente está longe de ser sustentável; as emissões de CO2 aumentaram em 2022 (estima-se, no entanto, que em breve, comecem a decrescer); sobre-pesca, plásticos, transportes marítimos, crescimento do turismo de cruzeiros, poluição humana que vai parar ao mar (estamos no vermelho, mas recentemente nas Nações Unidas foi aprovado o programa de protecção do alto mar, o que é um passo de gigante para os nossos mares); a vida terrestre está em stress extremo, devido à deflorestação e destruição de outros ecossistemas; com a guerra na Europa, com o escalar de vozes que vêm agudizar o sentimento bélico pelo mundo, o sentimento de injustiça por parte de diferentes povos, mais e mais se sente um abandono por parte das instituições que deveriam representar os diferentes extratos da sociedade.
Como vemos, uma parte substancial dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável está a falhar as suas metas por uma larga margem. E isso é preocupante, pois ou são ineficientes ou são irrealistas, ou simplesmente ninguém os conhece. Estas são informações públicas, obtidas de fontes oficiais da ONU ou de outras entidades internacionais reconhecidas, pelo que há um conhecimento consciente dos problemas de que todos os países e comunidades padecem. No entanto, parece que existe uma inação transversal às instituições com responsabilidade para desenvolver as tão necessárias alterações.
Com a crise económica e social que vivemos, para lá de Portugal e da Europa, as desigualdades têm-se agudizado e a classe média mais sufocada – conflitos, padrões climatéricos erráticos.
Para que o futuro seja mais sustentável para todos, aquele futuro sustentável das lentes da Catarina Furtado, há que alterar vários paradigmas, começando pelo topo das hierarquias sociais e políticas. Um dos caminhos a percorrer, por exemplo, é o da educação. Mas transversal! Para miúdos e graúdos. Para o executivo e para o operário, para que se inicie o movimento necessário às alterações de que tanto necessitamos. Ao sabermos dos problemas, podemos identificá-los e por conseguinte tentar resolvê-los. Olhar para o mundo de uma maneira sistémica. E um dos primeiros passos é, repito, uma forte, rica e prática educação.
Só com conhecimento e informação, o futuro que a Catarina Furtado vê através das suas lentes será aquele que todos veremos. A sustentabilidade e a mudança (positiva, enriquecedora e duradoura) tem de ser mais que um slogan vazio na beira de uma autoestrada.