Sustentabilidade. O tema da moda, a buzzword do momento. Por todo o lado se multiplicam os esforços da sustentabilidade. Tudo é sustentável e, de um momento para o outro, todos os produtos e serviços são, miraculosamente, sustentáveis. Fantástico! Estamos no rumo certo, no caminho para proteger o ambiente e garantir que as gerações futuras vivam tão bem como a nossa. Ou estamos mesmo?

Antes de mais, definamos sustentabilidade, que assim nos aparece no dicionário: 

  1. Qualidade ou condição do que é sustentável.
  2. Modelo de sistema que tem condições para se manter ou conservar.

Assim, podemos depreender que todos os produtos e organizações que assim se apresentam se mantêm e se conservam no tempo.  

Acrescentando a esta definição de sustentabilidade, há uma outra, comummente usada na academia e no meio empresarial, que se baseia em três pilares: económico – que traz dinheiro suficiente para poder perdurar no tempo; social – que tem impacto positivo na comunidade (por exemplo, atrai e retém trabalhadores); ambiental – que os impactos ambientais decorrentes da produção conseguem multiplicar-se com um impacto mínimo no seu meio ambiente. 

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Foquemo-nos no terceiro pilar. 

Aparentemente ainda há muito para andar pois, num relatório independente recentemente publicado (para os curiosos, aqui), continua-se a defraudar o incauto cidadão, eterno consumidor mal informado. 

Por cá, os exemplos abundam: recentemente, deparo-me com uma entrevista interna de uma empresa ligada a um sector altamente poluente, onde uma senhora, claramente muito confusa, fala a custo da sustentabilidade ambiental da empresa e do desenvolvimento sustentável. A senhora era a chefe do departamento de contabilidade (em linguagem de encher egos: Chief Accounting Officer) e sentia-se tão confortável a falar de desenvolvimento sustentável, como um crítico de música erudita a redigir uma análise do último single da Rosinha.  

Mais exemplos, em que o sustentável é uma palavra oca, vazia, um adereço para rotular de novo algo que se mantém igualzinho ao que era antes: uma cadeia de lojas em Portugal aclamava a sustentabilidade renovada da marca. Após uma breve visita a uma loja, apuro que, ambientalmente, a empresa continua a trabalhar da mesma maneira: plásticos por toda a parte, qualidade e durabilidade dúbia dos produtos, para além de que uma parte dos produtos é elaborada no outro extremo do nosso planeta. 

Uma empresa de distribuição de comida ao domicílio vem a público dizer que já atingiu a neutralidade carbónica, enquanto que, na verdade, o pior que produz são as toneladas e toneladas de resíduos sólidos que o fruto do seu negócio origina diariamente. De que serve comprar créditos de carbono – negócio tão cristalino como as águas do Ganges depois do festival Kumbh Mela, quando uma grande parte do lixo que produz é queimada, vai parar a aterros ou vai fazer companhia às lulas e aos carapaus. 

Uma cadeia de super mercados estampa em sacos de plástico golfinhos, a dizer que vamos salvar os oceanos em conjunto. No entanto, os armazéns entulham-se de plásticos impossíveis de reciclar ou reutilizar. Atiram com areia (com micro plásticos, claro) para os olhos do consumidor que, ao comprar aquele saco, fica com a ideia de que está a salvar o planeta, contribuindo para o futuro saudável de filhos e netos. Enquanto que o referido supermercado carece ainda de uma estratégia para reduzir o uso (e abuso) de plásticos e outros materiais não reutilizáveis. 

É admirável a audácia de uma cadeia de móveis que contabiliza a redução de emissões de gases de efeito de estufa, adicionando os painéis fotovoltaicos que vende! Ou seja, esta operação de marketing resulta numa contabilização a dobrar de redução de emissões e assim se ganha mais um carimbo verde. 

Um grande grupo português vem a público informar que irá plantar um milhão de árvores. Mas quais? Eucaliptos? Pinheiro bravo? Quem rega essas árvores e de onde virá essa água? Liguei várias vezes para o município onde essa plantação irá decorrer e ninguém sabia de tal projecto.

Andamos a apanhar palhinhas do chão mas é a pesca que mais contribui para os plásticos no oceano. É simbólico, claro, mas insuficiente. Andamos a poupar água com eletrodomésticos A+++, mas quem usa e abusa dos recursos hídricos é o sector agrícola, com pouco controlo das autoridades. 

E neste mundo da “sustentabilidade”, vivemos diariamente com o que se chama de greenwashing. Os mesmos produtos de sempre, com um um rótulo de “mais sustentável”, usando a fórmula do costume. 

Gostaria que estes exemplos fossem únicos e que o leitor dissesse que estou a fazer escolha selectiva de exemplos para sustentar o meu argumento. Infelizmente, a lista seria muito, muito mais longa, sendo esta uma prática comum.

Sejamos justos: as empresas necessitam de gerar lucros, dependem da sua sustentabilidade económica, necessitam de se promover e diferenciar. Tudo bem. É o papel social e económico das mesmas. Uma economia diversificada e ágil cria trabalhos, ordenados, paga impostos. Gera riqueza e bem-estar. No entanto, o modelo que temos vindo a utilizar nas últimas décadas está mais que esgotado e com os resultados ambientais e sociais que vemos ou sentimos. 

Desenvolver estratégias ambientalmente sustentáveis requer tempo e recursos, muitas vezes escassos. Certo, todos devemos compreender isso. No entanto, há uma emergência real para essas mudanças, quer seja por questões ambientais, quer por questões económicas ou sociais. 

A maneira de actuar das nossas economias e das nossas empresas, sem alterações de fundo, leva-nos para um lugar onde as consequências são graves e imprevisíveis. E para lá continuamos, mas agora com uma bandeira verde (de materiais plásticos, de uso único, claro). 

Se é para continuar assim, agindo da mesma maneira, sem nada aprender ou alterar, rotulando tudo de “sustentável”, então, essa “sustentabilidade” agradeço, mas dispenso.