A manchete do Expresso é inequívoca: “Marcelo quer travar candidatura de Gouveia e Melo”. O que significa que, se tudo correr com normalidade, Gouveia e Melo vai ser Presidente da República.

Sempre que Marcelo Rebelo de Sousa quer interferir numa eleição para alcançar um determinado resultado, acontece o oposto do que o Presidente pretende. Aconteceu em 2021, quando dissolveu a AR e, ao contrário do que Marcelo queria, o PS teve maioria absoluta. Voltou a acontecer este ano, quando, ao convocar eleições depois da demissão de António Costa, Marcelo abriu as portas do Parlamento aos 50 deputados do Chega que não queria lá. O Presidente é um óptimo parceiro de Euromilhões. Basta deixá-lo escolher os números e depois apostar noutros. Se Marcelo fosse uma aplicação de trânsito era o Wazelha: ninguém segue os caminhos por ele indicados. Portanto, se Marcelo não deseja que o Almirante seja o próximo Presidente, em princípio o Almirante será o próximo Presidente. O povo vai escolher um presidente da continência para suceder ao presidente da incontinência.

A ideia que dá é que Marcelo deseja escolher o seu sucessor. Como um homem que quer seleccionar o novo namorado da ex-mulher. “Agora andas com o António? Olha que ele não é bom para ti. É muito novo. E tem músculos grandes, o peito é desconfortável para te encostares como gostas. E anda de Porsche, já viste? Um carro demasiado rápido, podem ter um acidente. Parece que ganha bem. O que é péssimo, porque o dinheiro não traz felicidade. Ouvi dizer que tem erecções muito fortes e demoradas, já sabes como ficas quando não dormes o suficiente. Devias namorar antes com o Mário, que tem uma cara de nabo bem fofinha”.

A última sondagem põe Gouveia e Melo à frente do resto dos presidenciáveis. O problema é que esta sondagem foi feita a eleitores portugueses e não a comentadores políticos. Esses, pelo que se tem lido, têm mais medo do Almirante Gouveia e Melo do que o meu filho tem do Capitão Gancho. A hipótese de termos um almirante como Presidente é referida com receio.

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Já sobre os outros nomes na sondagem não há estados de alma. Quem não aprecia a ideia de ter Gouveia e Melo como Presidente não se importa de escolher entre Passos Coelho, Mário Centeno, Ana Gomes, André Ventura, Santos Silva ou Marques Mendes, todos civis. Não gostam de um Presidente militar, mas não se importam com um Presidente militante.

“Um militar na presidência” é um tabu da democracia. Trata-se de uma ocorrência aterrorizadora, ao nível de “raposa no galinheiro”, “pedófilo na escola primária” ou “jogador do Sporting na selecção”. Sabemos que as probabilidades são ínfimas, mas se acontecer será trágico.

Percebe-se porquê. A Presidência da República ocupa um papel único e fundamental no sistema político português. O Presidente é um órgão de soberania e a sua independência não pode ser posta em causa. Sabe-se lá se, com um militar em Belém, conseguimos manter a seriedade dos últimos anos? Quem nos garante que Gouveia e Melo não tem um filho abusador que usa o cargo do pai para trocar favores com amigos? O almirante, habituado à rigidez hierárquica das Forças Armadas, terá a cultura democrática para evitar imiscuir-se no funcionamento do sistema político? Ou vai desatar a ameaçar que dissolve a Assembleia da República à mínima perturbação? É raríssimo um soldado ter uma arma à disposição e não a usar. Especialmente se for a bomba atómica.

Se elegermos Gouveia e Melo, arriscamo-nos a ouvi-lo fazer um discurso em que promete reparações às ex-colónias. Ou a exigir ao Primeiro-Ministro que demita um membro do Governo, só para ver o Primeiro-Ministro a não acatar a sugestão. Ou a intrometer-se nas negociações do Orçamento de Estado entre Governo e oposição. Ou a aconselhar os cidadãos portugueses a não adoecerem em Agosto. Ou a enviar comunicados às redações sobre os seus desarranjos intestinais. Ou a mandar piropos a meninas, provavelmente incluindo trocadilhos malandros com “subir o periscópio”.