Nas últimas semanas têm-se intensificado sinais de preocupação quanto à possibilidade de estarmos no início de um processo inflacionista que, em larga medida, pode ser visto como decorrente daquilo a que os economistas chamam há muito um choque da Oferta. Basicamente, de modo simplificado e em linguagem a todos acessível, há neste momento um conjunto de factores—que vão da disrupção das cadeias logísticas internacionais, ao aumento dos preços de muitas matérias-primas e à escalada dos preços dos combustíveis fósseis—que estão a provocar um aumento dos preços dos bens finais. Isto é, o mesmo bem ou serviço é agora produzido e vendido a um valor mais elevado, em virtude do aumento dos preços dos fretes marítimos, de muitas matérias-primas essenciais à produção, dos custos inerentes às paragens no processo logístico e de aprovisionamento, o que leva a uma subida de preços face ao que se praticava há algum tempo, por exemplo, há um ano. Como algumas das disrupções vão-se mantendo e até, nalguns casos, acentuando, há uma tendência (ainda curta) de subida de preços de vários bens e serviços. Tecnicamente não é ainda inflação—uma subida sustentada de preços—mas, como ninguém sabe exactamente quanto tempo durará, a dúvida vai-se instalando. Uma longa fase de política monetária expansionista também acrescenta à preocupação de alguns.

Foi neste contexto que ganhou acrescida visibilidade o anúncio de uma taxa de infação homóloga de 3,4% para a Zona Euro em Setembro, um máximo de 13 anos, ainda que comparando os valores actuais com os de um período em que os confinamentos das primeiras vagas da pandemia levaram a uma retracção histórica da actividade da Zona Euro. Nos Estados Unidos já tínhamos assistido ao anúncio de 5,3% em Agosto e países como a Espanha já registavam valores ainda mais elevados. Concretamente, 5,5% em Setembro. Devemos preocupar-nos? E quanto?

A experiência mostra-nos que uma crise como a que a Pandemia causou, leva primeiro a uma retracção (o que se passou em 2020) e depois a um crescimento de actividade acompanhado pelo aumento dos preços. A aritmética ajuda-nos a relativizar este efeito mecânico, pois comparamos preços actuais com preços num período em que existiu deflação. Por esta simples razão, as taxas de variação tenderão a ser significativas. Para aferir da relevância deste argumento, basta fazer o exercício de comparar os preços actuais com os que se verificavam antes da recessão causada pela Covid 19. Na Zona Euro, o índice harmonizado de preços no consumidor cresceu 3,4% entre Setembro de 2020 e Setembro deste ano, mas apenas 1,5% se considerarmos Setembro de 2019 como base de comparação. Um valor mais em linha com o registado nalguns períodos da última década.

Acontece, ainda, que como acima referi e todos sabemos, este aumento verifica-se na sequência de um incremento substancial dos preços da energia, função dos aumentos (esperados) do preço do petróleo e do aumento muito significativo do preço de gás natural, em resultado da enorme dependência energética da Europa, em particular do gás russo. É exactamente esta a razão pela qual a inflação core da zona euro, para o mesmo período de um ano, entre Setembro de 2021 e o mês homólogo de 2020 é muito pouco relevante. Ou seja, quando retiramos os preços da energia, a inflação assim medida, ainda não tem expressão.

Podemos assim concluir que se trata de um receio infundado? Também não. Por várias razões, das quais destacaria três (não necessariamente as únicas importantes nem por ordem de importância). Em primeiro lugar, porque havendo pressão da Procura na Europa, China e Estados Unidos, a verdade é que os entraves logísticos permanecem e não é certo que estejam resolvidos na Primavera de 2022, como muitos responsáveis políticos auguram. Prolongando-se tornarão mais longa e marcante a actual tendência. Em segundo lugar, porque a magnitude dos efeitos poderá levar a pressões crescentes para revisões em alta de salários e pensões o que, função da magnitude e expansão das mesmas, poderá despoletar uma espiral de valorização nominal, com efeitos nomeadamente na capacidade de controlar a evolução da mesma. Como vimos no passado. E prejudicando, pelo menos inicialmente, sobretudo os mais pobres e os que têm maior dificuldade em ajustar os seus rendimentos ao novo cenário. E em terceiro lugar, porque é bem possível que o BCE continue a sua tradição de intervenção tardia (behind the curve). Caso se convençam que há mesmo inflação, é de esperar que haja resistência em adequar sem grandes atrasos a política monetária, até pelo cálculo político inerente às dificuldades que uma subida das taxas directoras acabará por infligir a países como a Espanha, Grécia ou Itália. Já nem falando de Portugal, Grécia ou Chipre.

Em resumo, não sendo certo que estejamos já num novo cenário em que a inflação deva ser uma preocupação relevante, o nível de risco que vivemos, os sinais que já tivemos e a nossa fragilidade particular, deverão tornar claro que há que estar atento e preparar para ter mais cedo aquilo que muitos têm referido que não está nem estará no horizonte. É demasiado imprudente ter, por ora, grandes certezas.

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