Max Weber, que escreveu abundantemente sobre a vida interna das organizações políticas, descobriu o maior teste de vitalidade destas instituições na sua capacidade de sobreviver para além do fundador. No culminar de um ano em que se testaram e se romperam tantas convenções políticas, a não-recandidatura de Paulo Portas à liderança do CDS sujeita a direita portuguesa a essa prova.
Portas não integrou a primeira geração de militantes do CDS, mas participou na fundação da direita moderna no nosso país. Para lá das fronteiras partidárias, deve-se a si e a Esteves Cardoso a destruição da muralha de aço que a esquerda levantara em torno dos meios culturais. Portas trouxe o conservadorismo à cidade e emprestou-lhe a anglofilia, o humor e o descaramento. Conquistou para a direita um terreno próprio de afirmação, longe dos perfumes do saudosismo e contra o cinzentismo tecnocrático cavaquista.
Goste-se mais ou menos da figura, é indiscutível que a passagem de Paulo Portas pelo jornalismo e pela política marcou o substrato moderno da direita portuguesa e granjeou-lhe margem de afirmação própria. Consigo, o CDS – entretanto transmutado de Partido do Centro em Partido Popular – reintegrou o arco da governação, sem ingressar no arco constitucional vigente. Portas ainda era vice-primeiro-ministro quando respondeu a Ricardo Araújo Pereira que lhe parecia mal que o preâmbulo da Constituição pretendesse lançar a sociedade a caminho do socialismo. “É um bocadinho maçador”, disse. Pois é.
Na hora da partida de Portas, a direita está invulgarmente frágil. Em primeiro lugar, tendo vencido eleições legislativas, viu o segundo classificado vender a alma ao diabo – o grau de literalidade da expressão fica ao critério do leitor – para aceder ao poder. Depois, julgando certa a vitória nas eleições presidenciais, tem percebido a inevitabilidade da derrota, na medida em que não se apresentou qualquer candidato alinhado consigo.
Marcelo, comentador magnânimo que distribuía salomonicamente elogios ao longo do espectro partidário, reinventou-se como amigo secreto de António Costa, pronto a oferecer-lhe a placidez de uma “magistratura de influência discreta”. O prelúdio da campanha, celebrado na Festa do Avante, deu lugar a outras procissões, sempre nos mesmos adros. Marcelo abençoou a Geringonça com apelos à estabilidade. Marcelo esquivou-se sempre a esclarecer se teria, como o Presidente Cavaco, empossado Passos Coelho. Marcelo apresentou a candidatura na Voz do Operário. Marcelo aplaudiu a solução encontrada para o Banif. Marcelo desdenhou o apoio de Passos Coelho. Marcelo, diplomata antes de qualquer outra coisa, lavou as mãos dos seus princípios e proclamou que o Presidente, tendo uma obrigação de neutralidade institucional, não pode vetar a adopção por casais do mesmo sexo ou a agilização dos abortos.
Com sucessivas machadadas no seu eleitorado tradicional, o Professor esforça-se por esculpir uma direita à imagem da esquerda. Onde houver dúvidas, acena com consensos. Onde subsistirem fracturas, semeia silêncios que cheiram a tabus. E, entre espartilhos e complexos, avança. Com toda a confiança. O seu projecto de unificação nacional em torno do vácuo arrisca não entusiasmar a direita nem reunir a esquerda. Mas a solicitude com que tem rendido espaço e discurso à esquerda contamina o esforço de afirmação do conservadorismo descomplexado de Portas e da insurgência liberal de Passos.
Em anos de chumbo, Passos e Portas tiveram o mérito da autenticidade. Em tempo de vésperas, o prelúdio do marcelismo é a vitória da nebulosidade. Pelo jogo de nervos em que enredou a direita, Marcelo afirma-se, por direito próprio, anti-Passos e anti-Portas. Na vitória ou na derrota, na primeira volta ou na segunda, a direita que o beba provará cicuta com sabor a vichyssoise. Insonsa, até que a esquerda lhe acrescente sal.
Estudante universitário, 19 anos