Não anda de máscara na rua? Negacionista! Questiona-se se é ético vacinar crianças? Você é um negacionista! Não se quer vacinar? Não tem vergonha de ser negacionista! Pensa que existem outras doenças e outros problemas que se devem ter em consideração além da Covid? Acho que já sabe o que é, é um negacionista. Interroga-se sobre as medidas do Governo, a sua constitucionalidade e gostaria que fossem escrutinadas? É um negacionista e um perigo que ataca a união nacional necessária nestes momentos difíceis.

O rótulo “negacionista” é hoje aplicado a toda e qualquer pessoa que ponha qualquer questão ou exiba qualquer pensamento que se desvie daquilo que o Governo legisla, que a DGS impõe e que os media propagam. Não interessa se é sobre a ética ou necessidade de vacinar as crianças, se é sobre considerar outros fatores no modo de lidar com a Covid, como os 400 mil portugueses que devido às políticas tomadas vivem agora abaixo do limiar da pobreza, se se é contra toda e qualquer vacina ou se, simplemente, não se pretende vacinar; todas estas pessoas são chamadas de negacionistas ou, como diria Vasco Santana, “chapéus há muitos”. E uma pessoa que seja rotulada negacionista é obviamente um vil e egoísta incumpridor, apenas preocupado consigo próprio.

Antes do vírus SARS-CoV-2 alastrar, havia outro rótulo na moda, normalmente atribuído pelas pessoas de esquerda ou extrema-esquerda àqueles que deles discordavam sobre qualquer tópico, fosse ele económico, social, humano ou ambiental. Eram os fascistas. E qualquer um podia ser rotulado fascista pelas mais diversas razões: desde achar que os impostos sobre as empresas deviam ser mais baixos a considerar os Descobrimentos uma época alta da História de Portugal, até defender que os pais devem escolher a escola dos filhos ou que o 25 de Novembro de 1975 foi uma data importante para a democracia portuguesa. No entanto, serão todas estas pessoas rotuladas de “fascistas” realmente fascistas? E os “negacionistas” negam realmente o quê?

Facilmente se obteriam 10 respostas diferentes para a pergunta “O que é um negacionista?” de outras tantas pessoas. Tal como para o rótulo de fascista. Se não existe consenso sobre o que é um negacionista, porque é que este adjetivo é constantemente atirado contra as pessoas? Porque, na realidade, o termo é apenas um atestado para descartar a pessoa como inválida de capacidade para discutir qualquer tema, fazendo uso da falácia ad hominem, em que o caráter do autor é atacado em vez das suas ideias. Assim, faz-se do negacionista um indivíduo desprovido de massa cinzenta e qualquer ideia que tenha não é para ser ouvida ou discutida.

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Para além de desconsiderar a opinião do negacionista, a criação da ideia de que existe um conjunto de pessoas negacionistas, inclusivamente organizadas, como se existisse uma grande associação dos negacionistas, que estão em contraponto com a maioria, que se poderia intitular de covidista, possibilita um confronto de “tribos”, a que Marx chamou “confronto de classes”. Esta ideia de confronto entre pessoas, sejam elas operários e burgueses, democratas e fascistas, gera uma tribalização da sociedade em que os líderes dos “bons”, neste caso os covidistas, se intitulam como os incontestáveis donos da verdade que não podem nem devem ser questionados pelas massas e a quem estas se devem unir e obedecer. Pois, o inimigo, sejam eles burgueses, fascistas ou os negacionistas, é o verdadeiro responsável por toda e qualquer catástrofe e a razão pela qual temos de continuar a obedecer sem questionar. O medo iminente do vírus gera nas pessoas a desconfiança sobre os outros à volta, podendo elas confiar apenas em si próprias, nas medidas do Governo e nas estatísticas escolhidas que nos debitam constantemente. Este medo leva à ostracização daquele que questiona, pois esse com certeza trará consigo o vírus e, mais ainda, é a causa das medidas opressoras em vigor, que de acordo com os bons líderes são apenas para a proteção das pessoas contra o inimigo. E por isso deve ser posto fora da vida social quem não carregar consigo o atestado de bom cidadão digital, qual estrela de David ou crédito social chinês. Aquele que não o tiver, ou sucumbe aos poucos ao poder e coerção do Estado ou não tem lugar na sociedade, sendo tratado como o leproso do século XXI, mas sem sintomas ou doença. Em 1984, George Orwell retratava já todo este enredo totalitarista em que uma perpétua guerra contra um inimigo desconhecido perdura indefinidamente e une todos em torno da vontade soberana, sendo a liberdade de expressão um “crime de pensamento” e onde a História é revista pelo Ministério da Verdade para se adequar à narrativa atual.

O mais interessante é que a ideia de separação social e luta de poder entre “nós”, os puros, e “eles”, os opressores, sendo uma ideia fundamentalmente marxista e totalitária para a conquista de poder, durante o último ano e meio rapidamente se alastrou a uma maioria da população que não se identifica com esta ideologia nem a segue. Estas pessoas, que não costumavam simpatizar com uma visão socialista da sociedade, não têm agora medo de denunciar os perigosos negacionistas. Como foi isto possível? A mão forte do Estado, aliada ao constante medo inspirado pelos media (quase todos subsidiados pelo Estado) foi suficiente para alterar o pensamento e a visão de grande número de cidadãos. Estes apontam e discriminam agora o negacionista, não vendo nele uma pessoa igual em dignidade, com direito a liberdade de expressão ou movimento, passando a ser um “leproso” que deve ser desconsiderado, retirado da vida social e ostracizado, até se purificar pela toma da vacina e uso do certificado.

A democracia e a liberdade que gozamos no Ocidente têm por base a igual dignidade e direitos de todos os seres humanos.  No passado, quando as massas começaram a aderir, normalmente levadas pelo medo ou outras emoções, a uma visão desconfiada e tribal da sociedade, passámos a ter diferentes níveis de cidadania que degeneraram inevitavelmente na tirania.

Por isso, deixo um apelo a quem não tem uma visão marxista do mundo: em vez de rotular de negacionista aqueles que apresentam uma visão diferente da sua, ultrapasse o medo de ouvir algo diferente, encha-se de compaixão por aquele que considera “leproso”, vá ao seu encontro e ouça-o como alguém semelhante, pois esse “leproso” é uma pessoa com corpo e alma. Não tem que concordar com ele, mas assim estará a contribuir, pela compaixão, pelo diálogo, pelo debate de ideias, e não pelo medo, para a construção de um país melhor, mais livre e democrático. E quem sabe, se um dia não terá alguém realmente marxista a rotulá-lo do próximo -ista que estiver em voga e a querer separá-lo da sociedade num gulag, campo de concentração ou centro de reeducação.