Há muitos anos que ouço muitas histórias e anedotas sobre o meu presidente de Junta: por muito que confie nas pessoas que desabafam comigo, sei que algumas são exageradas, outras pouco verdadeiras e outras… absolutamente correctas. Mas de permeio a isto tudo, sei que o que se contava antes nos cafés e nos cruzamentos entre cidadãos num passeio hoje acaba, sempre, mais cedo ou mais tarde, nas redes sociais e, consequentemente, torna-se do conhecimento público, não sendo mais possível conter num pequeno círculo de amigos e dependentes (avençados) os maus exemplos de conduta e cidadania que um eleito autárquico alegadamente (ou não) concede aos cidadãos.
Nos dias de hoje é possível esconder alguma coisa durante algum tempo de alguma gente. Mas não sempre, não para sempre e não de toda a gente. Não agora, nos tempos de superexposição em que vivemos. Hoje, como nunca antes no passado, é mais difícil ser presidente de Junta e cometer os nossos humanos erros ou persistir nas nossas humanas falhas sem que todos venham, cedo ou tarde, a saber das mesmas. As coisas, hoje, não são nem boas nem más quanto a isso: simplesmente são assim e temos que nos adaptar e comportar como se estivéssemos sempre sob o olhar de todos os cidadãos que nos elegeram e nos podem tornar a eleger ou, se não estivermos dispostos a pagar o preço dessa superexposição, temos, simplesmente, que sair de jogo e gozar a nossa merecida reforma depois de décadas de mandato.
Por isso, é com um pouco de pena que vejo a inadequação aparente deste presidente de Junta, deste autêntico e literal “dinossauro autárquico” (devido a uma lacuna na lei de limitação de mandatos), um autêntico tremendo e temível “Tyranossaurus Rex” que cilindrou várias gerações de oponentes internos, aliando-se e desaliando-se a facções internas do seu próprio partido para se manter no poder, exercendo uma autêntica política interna de “terra queimada”, concentrando cada vez mais poder e exercendo um centralismo que faria enrubescer o próprio Estaline, para que agora esteja a pagar o preço de estar sob o foco mediático das redes sociais nos seus públicos erros e humanas desvirtudes.
Quem é eleito para um cargo representativo sabe que, quando o faz, sacrifica automaticamente um certo nível da sua privacidade e se submete ao escrutínio permanente e contínuo até às eleições seguintes (chama-se a isso “democracia”, para os mais esquecidos). E até existe um certo aspecto que granjeia simpatia por quem está submetido a esta exposição e não consegue adaptar a sua conduta e pensamento a esta nova condição.
Por isso me recordei destas histórias do meu presidente de Junta quando li que a “Administração da Misericórdia de Trancoso e o seu provedor, padre Joaquim Duarte, bem como outros dois padres e a irmã do delegado de Saúde, foram vacinados apesar de não integrarem os grupos prioritários – a explicação foram as vacinas “sobrantes” – e a propósito da história contada por alguém, que terá visto o meu presidente numa situação de incumprimento das regras do actual estado de emergência nacional e, em particular, da venda de café ao postigo. Sem saber se a história é ou não verdadeira, mas querendo crer que não, gostaria de recordar que:
- Os eleitos governam sobretudo pelo exemplo que dão aos cidadãos;
- Que ninguém está acima da Lei;
- Que estamos em grave crise sanitária e que o actual Presidente – pela sua provecta idade – se encontra num grupo de risco.
É verdade que basta ir a uma varanda para observar que todos os dias e a todas as horas deste novo confinamento há muitas pessoas sem máscara e na rua. As pessoas vivem aparentemente em estado de “negação pandémica” e só quando o “bicho” morder e matar alguém da sua própria família é que vão sair desta negação. Mas isto aplica-se também aos nossos eleitos locais, sendo que, neste caso, o poder do exemplo torna especialmente importante que não os vejamos a transgredir a pesada bigorna que as necessárias regras deste novo confinamento fizeram abater sobre todos nós.