Nestas últimas semanas ficamos a saber que existe uma nova rota migratória de entrada de requerentes de asilo na Europa. Diretamente de Bagdade para a Bielorrússia com entrada para o espaço europeu pela Lituânia. Esta rota tem sido, essencialmente, utilizada por curdos iraquianos, sírios e outros e pode custar, às mãos das rede de traficantes, mais de 10.000 euros. Estima-se que já utilizaram esta nova rota mais de 800 requerentes de asilo, desde o início do ano.
Enquanto o lado bielorrusso, de acordo com algumas teorias, alimenta e incentiva esta rota, deixando requerentes de asilo entrar em território europeu – numa resposta às sanções europeias de que foi alvo. Do lado europeu assistimos ao envio de operacionais da FRONTEX (agência europeia envolta em polémica depois da investigação do Parlamento Europeu) para a fronteira com a Bielorrússia, na Lituânia aprovam-se medidas legislativas que enfraquecem os direitos dos requerentes de asilo e na Eslovénia, Estado-membro que detém a presidência do Conselho Europeu, há inúmeros relatos de reenvios ilegais, negando constantemente pedidos de asilo. É esta resposta europeia que poderá colocar em causa as futuras negociações do Novo Pacto para as Migrações.
O caminho escolhido pela Eslovénia e Lituânia para lidar com esta nova rota parece ir ao contrário daquilo que o Novo Pacto pretende alcançar. Na Lituânia aprovou-se legislação para acelerar, em 10 dias, processos de pedido de asilo, autorizando as autoridades a reenviar, com enorme rapidez, requerentes de asilo para o seu país de origem, legalizando detenções de requerentes de asilo até 6 meses, sem direito a um julgamento justo e, por fim, o exército lituano já começou a colocar arame farpado ao longo de 680 km da sua fronteira. Na Eslovénia há inúmeros relatos de reenvio de requerentes de asilo para outros países, negando o direito de asilo e o seu primeiro-ministro considera a Hungria o exemplo a seguir na forma como geriu as suas fronteiras em 2015/16 (elevando muros e vedações com a Croácia, realizando pushbacks e impedindo ajuda humanitária, o que mereceu elevadas críticas de Bruxelas), tendo escrito no Twitter que “Graças à sua política migratória a Hungria é um país seguro, enquanto a Bélgica não é”.
Do lado da Bielorrússia há quem diga que é o seu governo que alimenta e incentiva, esta nova rota, deixando, sem quaisquer obstáculos, que estes requerentes de asilo utilizem a sua fronteira com a Lituânia para entrar em território europeu – a resposta do governo de Lukashenko às sanções impostas pela União Europeia e que já mereceram reação do Presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, “Once again someone is unacceptably playing with people’s lives.”
Perante tudo isto, a resposta da União Europeia e da presidência eslovena foi, apenas, enviar funcionários da FRONTEX (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas) para fronteira com a Bielorrússia.
Nada disto assumiria contornos de maior gravidade se não fosse a Eslovénia o Estado-membro que assume, desde o começo de julho, a presidência da União Europeia e quem irá liderar as negociações para o Novo Pacto Europeu para as Migrações. Um pacto centrado em novos mecanismo de responsabilidade e solidariedade entre Estados-membros, através de uma gestão efetiva do Espaço Schengen e das suas fronteiras externas, por meio de mecanismos mais rápidos e justos de análise de pedidos de asilo, através de uma efetiva solidariedade entre Estados e, por fim, aprofundando acordos com países terceiros. Não um pacto centrado em impedir pedidos de asilo, no reenvio de migrantes e refugiados mesmo que para outros países europeus, na elevação de muros ou vedações, realização de pushbacks ou análise sumária de pedidos de asilo.
Por fim, depois do Relatório do Parlamento Europeu de investigação à FRONTEX sobre alegadas violações de direitos fundamentais ter concluído que esta agência europeia e, em particular, o seu diretor, não adotou as necessárias medidas para impedir sucessivos relatos de pushsbacks e reenvio forçado de requerentes de asilo para os seus países ocorridos na Croácia, Grécia e Hungria – locais onde a FRONTEX realizou as suas maiores operações – que garantias de salvaguarda dos direitos dos requerentes de asilo pode a União, através da ação da FRONTEX, oferecer a quem utiliza esta rota migratória?
O mandato da Eslovénia, à frente do Conselho Europeu, não oferece, para já, garantias que o Novo Pacto para as Migrações apresentado no ano passado pela Comissão Europeia chegue a bom porto, com soluções ponderadas e alinhadas com os nossos compromissos internacionais. E, desta forma, adiando uma vez mais uma resposta europeia ao problema das migrações. Quem sabe mesmo se não estamos perante o começo daquilo que nunca foi, oxalá esteja errado.