A acusação de Tsipras contra Lisboa e Madrid por, alegadamente, pretenderem derrubar o governo grego é inédita na história da integração europeia. Nunca um líder europeu havia dito semelhante coisa sobre outros governos da União Europeia. Tsipras fez uma afirmação grave que mostra, mais uma vez, a inexperiência e o radicalismo do seu governo. A propósito, seria interessante saber o que pensa a liderança do PS sobre o assunto. Concorda com o PM grego ou condena o ataque ao governo português? Ou condena em privado e assume uma neutralidade conveniente em público?
Não tenho dúvidas que o líder socialista, António Costa, não se revê nas declarações do PM grego. Mas tem uma grande dificuldade em condenar Tsipras em público por causa do radicalismo que se apoderou do seu partido, e que ele usou para conquistar a liderança. Esta tensão permanente entre o sentido de responsabilidade de um partido de governo e o radicalismo populista dos últimos quatro anos enfraquece Costa, como se viu com a reação às suas declarações perante os chineses (que de resto, como argumentou bem Helena Matos, são naturalíssimas e verdadeiras). Se António Costa criticar as afirmações de Tsipras, quantos camaradas entregarão os seus cartões de militantes?
Mas as declarações de Tsipras demonstram sobretudo o sarilho em que o seu governo se meteu. A reação do seu partido ao acordo com os restantes países da zona Euro foi pior do que ele esperava. Ao contrário do que foi anunciado, a reunião com o grupo parlamentar durou mais do que seis horas (bem mais) e houve uma grande divisão, apenas ultrapassada pelo velho método “democrático” de voto de braço no ar. Tsipras enfrenta dois problemas internos bem sérios: a divisão do seu partido e as expectativas da população grega. E o tempo vai apenas agravar estes problemas.
O governo grego chegou ao poder e pediu à Europa dinheiro sem programa. Neste momento, tem programa sem dinheiro. Apesar do acordo, o Eurogrupo não disponibilizou o dinheiro de que o governo grego precisa. Só o fará, quando Atenas for mais concreta em relação às suas políticas e quando tomar as decisões adequadas. Caso contrário, não haverá dinheiro. Ou seja, haverá um novo conflito o mais tardar durante o mês de Abril. Pior ainda, em Junho, o governo grego terá que negociar um terceiro programa, o qual incluirá mais medidas de austeridade (às quais o discurso oficial do governo grego chama “reformas estruturais”). Como irá Tsipras preservar a unidade do Syriza e conter a fúria dos gregos quando perceberem que foram enganados?
Desconfio que no início do Verão haverá na Grécia eleições antecipadas ou Tsipras convocará um referendo sobre o “terceiro programa” como a última tentativa para salvar o seu governo. Se isso acontecer, será muito negativo. A estabilidade democrática é um bem precioso e os governos deveriam terminar os seus mandatos. O Syriza deveria ficar no governo durante quatro anos. Seria bom para o partido, para a Grécia e para a Europa. Infelizmente, não sei se será possível.