Porque quem tem o privilégio de comentar as notícias tem o dever de ser coerente, e porque escrevi o que escrevi na última sexta-feira, cumpre-me registar que o Governo fez bem em não descer agora a sobretaxa do IRS. E porque não gosto de encontrar pretextos pequenos para dizer mal de alguma coisa, serei honesto nesta crónica: a solução do Governo para os impostos parece-me, à luz do que sabemos hoje, uma boa solução.

Li e ouvi com atenção os comentários desta manhã, que sublinhavam o facto de, congelando uma descida da sobretaxa até 2016, Passos Coelho estar a condicionar o próximo Governo. Concordo, mas acho que tem um bom argumento. E creio que António Costa tem uma saída. Vamos a isto?

  • Paulo Portas tinha razão numa das razões que levou a Passos para o convencer a reduzir a sobretaxa: não faz sentido algum que a receita fiscal esteja a subir para lá do efeito do ciclo económico e que esse dinheiro esteja a ser usado para tapar buracos que aparecem na despesa do Estado. Assim sendo, condicionar a receita que virá em 2015 à redução de impostos é uma opção racional.
  • Sendo racional, será ela contestável pelo próximo Governo? Sim, claro que é. Um dos poucos instrumentos de políticas públicas que restam hoje aos estados da União Europeia é esse. É por isso que Costa se pode queixar, legitimamente, de lhe estarem a tirar margem de manobra – caso, convém sublinhar, ele venha a ganhar as próximas eleições. Aliás, no domingo ouvi Ferro Rodrigues dizer com clareza que prefere dar prioridade aos gastos com o Estado social em detrimento de uma baixa de impostos – opção igualmente legítima, igualmente contestável. Estamos a falar de escolhas políticas, o cerne de uma democracia. E elas devem mesmo (uso o imperativo de propósito) ser discutidas.
  • Dito isto, o PS de António Costa tem uma porta de saída: aceitar o desafio que Passos lhe deixa e negociar a reforma do IRS, incluindo nas negociações esta norma que o Governo porá no Orçamento. Como as negociações vão decorrer em paralelo, e como as melhores reformas são as duradouras, que não são desfeitas no Governo seguinte, essa opção não é só válida, é a melhor. Arriscada politicamente? Sim, se os atores políticos não quiserem explicar quais são as suas opções. Mas mesmo que no fim da linha se chegue à conclusão de que não há acordo, ir a jogo só teria vantagens: clareza, determinação e serviço público.

Mas há duas notas adicionais que merecem reflexão:

  • Não é a primeira vez que este Governo, no que respeita ao próximo Orçamento, tenta prender o próximo a medidas específicas. Nos documentos preliminares, a que na semana passada tivemos acesso, havia uma norma para proibir expressamente o Executivo que se segue de fazer aumentos retroativos de salários no Estado (ou mexidas nas carreiras). Não é mal visto, mas convém registar uma incongruência: este Governo pode baixar impostos ao seu sucessor, mas o próximo não pode aplicar medidas que se apliquem a este. Do ponto de vista teórico tem que se lhe diga.
  • Agora que o mistério dos impostos começa a resolver-se, convém recentrar a discussão no que é mais importante: como é que o Governo vai desenhar o Orçamento no que respeita à despesa pública, tendo em conta a enorme distância que separa o país das metas definidas para 2015 (e a proximidade de eleições)? Porque é aí que o problema está, como se tem visto nos últimos meses. É por isso que é difícil baixar impostos, também. E, já agora, é nesse campo que não se pode perdoar um falhanço a um Governo realista.

E lá vou eu acabar este texto da mesma forma que terminei o último: no dia 15 veremos. Linha a linha.

 

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