Vem aí um orçamento, que é o último da legislatura, e já percebemos ao que vem: vai descer a sobretaxa do IRS, descer o IRC, repor as pensões (menos as muito altas) e descer uma primeira parte dos salários no Estado – já não os que este Governo cortou, desses já tratou o TC, mas aqueles que em 2011 José Sócrates impôs. Sejam, então, bem-vindos ao pós-troika.

Vou ser sintético, porque a esta altura já perceberam ao que venho: acho que o Governo, em particular Pedro Passos Coelho, está prestes a dar o último argumento ao eleitorado que ainda conserva para entregar uma vitória a António Costa em 2015. Sim, precisamente com a descida da sobretaxa do IRS. Não é pela descida, mas pelo argumento. Vamos a ele?

Dirá Passos Coelho, como já disse Paulo Portas, que não se desce o IRS por eleitoralismo, mas porque os impostos estão muito altos (jura!?) e, mais ainda, porque a troika já saiu e acabou o tempo da excecionalidade. Na minha modesta opinião, mais valia que fosse eleitoralismo.

Não, infelizmente o tempo da excecionalidade ainda não acabou. E há riscos sérios de que não acabe tão depressa.

Passaram três anos de Governo e não vou cometer a injustiça de dizer que nada se fez. Não é verdade, pura e simplesmente. Mas é justo dizer que se fez muitas asneiras, que há reformas a meio caminho e que falta muito, muito mesmo para nos livrarmos de uma dívida explosiva e de uma economia quase letárgica. “Em muitos sentidos estamos a caminhar contra uma parede”, dizia aqui no Observador Ricardo Reis.

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Chegados aqui, há pelo menos mais dois argumentos para dizer que a descida do IRS é, nesta fase, uma má opção:

  1. Se o maior problema com que nos defrontamos é o da economia e o do emprego, era mais valioso descer a TSU;
  2. Uma descida de um ponto percentual é ridícula para um orçamento familiar, nem chega aos mais pobres e representa, para o Estado, um valor não negligenciável.

Não, não acabou a excecionalidade. E não, as pessoas não são parvas. Muito menos em eleições. Lembram-se de quando a Economist fez aquela capa a perguntar “compraria este carro em segunda mão” à Sra. Merkel? Compraram. E não foi por verem nela uma pessoa em quem podiam confiar. Foi porque viram nela alguém com capacidade para executar.

A palavra chave, hoje, numa democracia, lê-se melhor em inglês: trust. É confiança na palavra, mas cada vez mais confiança numa execução coerente e competente.

É por isso que a Tecnoforma não faz ao Governo metade dos danos que os erros e atrasos no início do ano escolar ou que o estado de Citius em que se transformou a justiça cível. É por isso que acho que o IRS é o último argumento para se deixar de acreditar que este Governo ainda está cá para alguma coisa.

Duas perguntas para acabar: se para este Governo também já acabou a excecionalidade, então o que é que tem de diferente de António Costa (sabendo nós que um tem o desgaste e o outro não)? E como é que pode competir com Costa usando o argumento de que em 2009 José Sócrates deitou tudo a perder?

Como mostrou Nuno Crato, há realmente uma semelhança entre a palavra “manter-se-ão” e a expressão “vão manter-se”: a ideia de que já foram. Veremos na quarta-feira se o argumento é assim.