Estava em Bruxelas quando aconteceu o terremoto político do 7 de Novembro (uma data que ficará para a história da política portuguesa). Várias pessoas perguntaram o que se estava a passar em Portugal, e não foi fácil explicar devidamente. Houve várias coisas muito estranhas.
Em primeiro lugar, não é nada normal o Supremo Tribunal de Justiça investigar o comportamento de um PM num caso de tráficos de influência e de corrupção. Nunca tinha acontecido na história da democracia portuguesa. E abala muito a imagem do país.
Vamos recuperar o que aconteceu naquela manhã vertiginosa. O dia começou com buscas e detenções, entre elas a do chefe de gabinete do PM. A seguir António Costa foi a Belém, mas saiu pouco depois. Depois do PM, a Procuradora Geral da República foi também a Belém. Obviamente, não foi uma visita de cortesia. Terá ido mostrar ao PR que as provas contra os membros do governo são muito fortes. Os riscos de causar a queda de um governo com legitimidade democrática são demasiados. A Procuradora Geral da República, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente da República devem estar absolutamente seguros de que se passaram coisas muito graves.
Em segundo lugar, a declaração de António Costa ao país deixa muitas dúvidas no ar. O PM disse aos portugueses que se tinha iniciado ou se iria iniciar um processo crime contra ele. Mas o PM foi o único a falar de um processo crime contra ele, mais ninguém o referiu. O comunicado da PGR fala de um “inquérito” para analisar possíveis intervenções do PM. Um inquérito não é um processo crime. O PM foi o único, até hoje, a falar de um processo crime, quase como se o tivesse declarado contra si próprio.
Em rigor, António Costa não precisava de se demitir. A doutrina do chefe do governo, nos vários casos judiciais que afectaram os membros dos seus governos, foi sempre que até ser acusado não havia razões para demissões. Costa está longe de ser sequer arguido. Até pode acontecer que o inquérito não resulte em qualquer acusação. Por que razão António Costa não aplicou a sua doutrina política a si próprio? Um mistério que pode ter duas explicações.
Uma das explicações possíveis seria que António Costa sabe que houve situações muito graves no seu governo. Mas também há uma segunda explicação possível. Costa aproveitou para se ir embora. Houve um ar de repetição da fuga de Guterres em 2001. Costa parece ter sido o segundo PM do PS a fugir do pântano socialista.
Mas Costa também se juntou a outro antigo PM socialista, a José Sócrates, noutro aspecto. Tal como Sócrates, Costa vai travar uma luta política contra a justiça, vai dizer que foi uma vítima dos juízes, para procurar uma candidatura a Belém em 2026. A comunicação ao país foi o pré-lançamento da candidatura presidencial de António Costa. Mas a sua luta contra a justiça dá legitimidade a Sócrates para lutar por uma candidatura a Belém, igualmente como vítima.
As lutas do PS com a Justiça estão a destruir a democracia portuguesa. Os culpados são vítimas, e as vítimas são culpados. Mas estas lutas não acontecem num vácuo, para recuperar um termo de Guterres. Acontecem num sistema criado pelo PS nas ultimas três décadas, no qual o partido e o Estado não se distinguem, nem os interesses públicos estão separados dos interesses privados. O PS reduziu a democracia portuguesa a um sistema de suspeitas permanentes.
Em democracia não são as autoridades judiciais que mudam os governos. Por isso, as direitas têm muito trabalho pela frente. Assumindo que haverá eleições antecipadas, o PSD e os outros partidos de direita têm que sabe explicar ao país como o PS trouxe o país para o pântano, e o que vão fazer para recuperar a dignidade da nossa democracia. O PS vai fazer tudo para criar uma luta com a justiça. O PSD deve mostrar que o problema é político, não é com a justiça.