Não é segredo para ninguém que Rui Rio mantém uma má relação com a comunicação social. Também é do conhecimento geral que, na actual equipa directiva do PSD, têm sido frequentes as críticas à comunicação social – por exemplo, o vice-presidente Salvador Malheiro tem recentemente criticado o Expresso e alguns dos seus jornalistas. Obviamente, isso tem custos e as tensões dos jornalistas com o PSD acabam por se tornar num dos alvos da cobertura mediática, prejudicando a mensagem política do partido. E já se ouviram muitas queixas de dirigentes do PSD nesse sentido: para esses dirigentes, a comunicação social prefere agarrar-se às coisas menores, em vez de difundir as ideias-chave e as propostas do partido.

Não há hoje, em Portugal, quem na política tenha igual mau relacionamento com a comunicação social – pelo contrário, do PCP ao CDS, todos se esforçam para brilhar em frente às câmaras. Mas, em boa verdade, Rui Rio não é o primeiro líder político que alimenta uma relação complicada com os média – desconfiança mútua, parcas declarações, pouca abertura aos jornalistas. Nem em Portugal, nem no contexto internacional onde, aliás, não faltam exemplos recentes de quem tenha feito disso trunfo eleitoral e vencido eleições, recorrendo às redes sociais para disseminar as suas mensagens – isto é, substituindo os meios tradicionais e libertando-se da intermediação da comunicação social. Parece, de resto, ser essa a estratégia do PSD. De tal modo que, quase um ano após assumir a presidência do PSD, o próprio Rui Rio criou, no início de Dezembro, uma conta no Twitter – um facto político mais significante do que possa parecer à primeira vista. Assim, nos últimos 30 dias, Rui Rio disse ao país exactamente o que quis, sem interferências de intermediários e sem mal-entendidos. Pergunta obrigatória: o que tinha então Rui Rio para dizer?

Até às 23h59 de ontem, Rui Rio fez 52 publicações na sua conta oficial. Entre essas, 17 publicações são de foro institucional – abertura de conta, anúncios de tempos de antena, mensagens de condolências (acidente INEM) ou de Natal, assuntos da vida interna do partido (fotografias de visitas, reuniões, jantares e conselho nacional) e partilhas de notas sobre o anúncio de retirada de Angela Merkel (em alemão). Entre as 35 publicações restantes, 19 (54%) são sobre a área da Justiça, onde se contam críticas à procuradora-geral da República, críticas à ministra a propósito da lotação das prisões, explicações sobre a sua proposta para a composição do Conselho Superior do Ministério Público e partilhas de opiniões (de Paulo Mota Pinto, Pedro Bacelar Vasconcelos, Pedro Marques Lopes e Paulo Baldaia). O tema que, de seguida, mereceu maior enfoque o líder do PSD foi o da “verdadeira social-democracia” como ideologia do PSD, com 5 publicações (14%). Seguem-se os fundos europeus (com 3 publicações) e uma variedade de outros temas de actualidade, tais como o salário mínimo, a greve dos enfermeiros, finanças públicas, energia e transportes. Com alguma benevolência, somam-se apenas 10 publicações com reparos interrogativos ou críticas ao governo – sobretudo na Justiça e nas Finanças. António Costa, primeiro-ministro e principal adversário, não é visado nem mencionado uma única vez.

O balanço possível do conteúdo das publicações de estreia de Rui Rio nas redes sociais é que este não difere daquilo que, na comunicação social, se percebe serem as prioridades políticas do líder do PSD. Primeiro, um enfoque muito grande na área da Justiça, sector para o qual Rio acredita ser necessária uma reforma profunda – uma prioridade política difícil de compreender neste contexto sensível, face às acusações a José Sócrates e Ricardo Salgado. Segundo, um afunilamento ideológico do PSD, em busca da “verdadeira social-democracia” – obsessão que no PSD tem justificado críticas a militantes, exclusão de capital humano do PSD e o afastamento de eleitores tradicionais do partido. Terceiro, contenção nas críticas ao governo (sempre ligeiras e/ou interrogativas) e zero menções a António Costa – opção que coincide com uma estratégia de eventual articulação pós-2019 com o PS. Ou seja, Rui Rio registou-se nas redes sociais para comunicar directamente e escapar à intermediação (que considera negativa) da comunicação social. Mas a única coisa que essa estratégia de comunicação conseguiu foi confirmar que o problema não está no meio de transmissão – o problema está mesmo na mensagem do líder do PSD.

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