Sérgio Sousa Pinto escreveu no Expresso sobre um PS que já não existe. Como o PS não mudou de repente, quem faz parte dos primórdios do partido, como Sousa Pinto, não se apercebeu das alterações que ocorreram com o decorrer dos anos. Por exemplo, o PS não mudou radicalmente em 2015 quando Costa criou a geringonça ou afastou Seguro da liderança do partido. Nem sequer quando os socialistas se inebriaram com Sócrates (o ‘engenheiro’, não o filósofo). Esses foram momentos marcantes num processo invisível e de difícil percepção, principalmente para quem é do partido desde o início. Talvez a mudança se tenha iniciado em 1989 com a queda do comunismo. Nessa altura uma geração de esquerda, não muito mais nova que Sousa Pinto, viu na queda do Muro de Berlim não o fim de um mundo utópico mas um pretexto para um ajuste de contas político. Para estes socialistas que transformaram o PS era preciso reafirmar aqueles valores de esquerda que desabavam na TV. Este processo não sucedeu só com o PS português. Passou-se o mesmo com o PSOE, o PSF e os trabalhistas britânicos. Só para mencionar os mais importantes. A esquerda radicalizou-se e, em Portugal, não foi toda para o BE. Parte dela aderiu ao PS, subiu na hierarquia e tomou conta do partido que Soares deixou a Sousa Pinto. Em 2014 tive oportunidade de escrever sobre isso no Diário Económico. Alguns socialistas de outras eras, muito poucos, ainda se aguentam e esperam que a maré mude. Não creio que tal venha a suceder. Passo a explicar porquê.

O processo de radicalização do PS, que se tornou notório em 2015 e que se tem acentuado, visa agora transformar a direita. Durante décadas, comunistas e socialistas acusaram de fascista ou neoliberal quem deles discordasse. Foi uma manobra fácil e preguiçosa que evitava o debate político, indispensável numa democracia liberal. Desde 1974 nunca o PSD ou o CDS foram fascistas ou neoliberais. Acusar a direita de fascista ou de qualquer outro palavrão foi uma forma de validar a radicalização da esquerda. Tal como acusar a esquerda de comunista era uma forma de o Estado Novo se validar. Gritar é a estratégia habitual dos que não acreditam na força dos seus argumentos. E quanto mais inexistentes estes forem maior será o histerismo e a indignação do BE, PCP e deste PS do século XXI. A radicalização da esquerda encontra-se na teimosia com os milhões despejados na TAP ou no finca-pé moralista na matéria da disciplina de Cidadania. Assuntos relativamente aos quais quem apresentar a mínima objecção é liminarmente acusado de não ser um bom cidadão. Não há lugar a compromissos, menos ainda a debate. Salazar não fez diferente.

A esquerda radical precisa de uma direita radical para desviar as atenções. Nessa medida a chegada do Chega foi abençoada. Este partido ainda não tinha representação parlamentar e já era apontado como um perigo para a democracia. Tanto o PS como o BE têm um interesse profundo no crescimento do Chega. Por três razões: primeiro, desviam as atenções da sua própria radicalização; segundo, o extremar de posições no debate político favorece a esquerda radical, que passa a ter um parceiro do outro lado; terceiro, o Chega tira votos ao PCP e coloca um ponto final num partido que tem um peso sindical desmesurado. Tanto o PS como o BE julgam que os sindicatos lhes vão cair no colo. Talvez se enganem.

É por estes três motivos que PS e BE têm tudo a ganhar com o enfraquecimento do PSD e do CDS (a Iniciativa Liberal tem outro registo e uma base diferente para ser combatida desta forma pela esquerda). A recusa de António Costa em dialogar com Rui Rio nasce daqui. O PSD tem de ser inútil. Inútil porque não é oposição (para a esquerda esta está no Chega) e inútil porque nem serve para dialogar, ao contrário do que acontece com o BE. Quanto ao CDS, o seu enfraquecimento é também desejável pela esquerda contanto que os votos deste partido sigam para o de André Ventura.

O PS radicalizou-se. Transformou-se num BE com votos suficientes para governar. Já não é um partido perigoso porque liderado por José Sócrates. Tornou-se num partido perigoso porque tem militantes radicais que conquistaram lugares de destaque. António Costa, que nunca teve uma ideia que fosse e cujo único objectivo na vida é ser primeiro-ministro, não viu outro remédio que não usar a ala radical a seu favor, o que António José Seguro teve o pudor de não fazer. Findo o tempo de Costa e o PS deixa cair a máscara. A aliança entre PS e BE, que já se discute nos bastidores, será apenas mais um passo neste processo de radicalização eventualmente chocante. Um processo imparável à esquerda. Um processo a que apenas uma direita não socialista nem autoritária, que não receie o equilíbrio e a justiça que apenas a liberdade concebe, lhe pode por termo. Foi assim em 1979. Não há motivo para que seja diferente agora.

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