O ano de 2022 mudou os termos em que discutimos política em Portugal, deixando à vista, mais do que nunca, o enorme puzzle que pende sobre o país e que, nos próximos anos, com a informação de que dispomos hoje, só terá tendência a tornar-se mais saliente na competição eleitoral. O regime – entendido aqui como os principais partidos, o Presidente da República, as grandes empresas e a comunicação social sempre lesta a coadjuvar a ficção em que vivemos – está bloqueado e não há forças internas para realizar as reformas para produzir a riqueza suficiente para aumentar o bem-estar dos Portugueses. Ninguém tem vontade de mudar o estado de coisas, até porque o risco é grande e poderá pôr em causa as clientelas habituais. Mais, o declínio relativo de Portugal na União Europeia é agora indesmentível e as previsões das instituições Europeias não são animadoras.

No entanto, e aqui reside o puzzle, os eleitores continuam a apoiar de forma fervorosa os incumbentes. No início do ano, assistimos a uma vitória surpreendente de António Costa que brindou o Partido Socialista com uma maioria absoluta, depois de dois mandatos a governar em minoria. Mais recentemente, no meio de um mandato inenarrável, uma sondagem do Expresso sugere que 74% dos Portugueses apreciam o estilo populista de fazer política de Marcelo Rebelo de Sousa.

Por que é que isto é um puzzle? Numa visão altamente simplificada, a literatura de ciência política mostra que os eleitores penalizam os incumbentes quando estes são incapazes de aumentar o bem-estar económico e social. Obviamente que o mandato de Costa tem sido altamente complexo, com a pandemia e a guerra pelo meio, o que torna mais difícil a atribuição de culpas num contexto de voto económico. Estes factores estão, naturalmente, fora do controlo do executivo português. No entanto, os eleitores deveriam ser capazes de distinguir entre aquilo que está no controlo do executivo e os choques exógenos. Face ao desempenho francamente constrangedor de António Costa, o mais natural seria uma penalização do executivo. O puzzle fica ainda mais denso se olharmos para uma sondagem no Expresso de Novembro de 2021, na qual mais de dois terços dos inquiridos afirmam que tudo – literalmente tudo –, impostos, desigualdade, desemprego, precaridade, vai piorar. Tal como mostra a figura abaixo. É-me impossível conciliar esta perspectiva das massas sobre o futuro e o continuado apoio ao regime e ao governo Costa.

Relatório da Sondagem ICS-ICSTE para SIC/Expresso, Outubro/Novembro 2021

As raízes deste puzzle são complexas e muito difíceis de perceber. Confesso que não as consigo deslindar. Deixo algumas pistas. Por um lado, os partidos políticos têm pouca capacidade de mudar. Não nos iludamos. Um potencial governo do PSD pouco mudaria as coisas. Teria apenas uma enorme vantagem: ao contrário do PS, os governos de direita são muitíssimo mais fiscalizados e alvo de escrutínio por parte da comunicação social. Um primeiro ministro de direita não conseguiria abanar os ombros, com um tom blasé, quando confrontando com os sucessivos escândalos em que seu o governo está envolvido. Por outro lado, a classe média Portuguesa continua em negação. Acima de tudo, não querer voltar a 2011, pelo menos enquanto for possível. O mérito de António Costa, e aqui tiro-lhe o chapéu, foi ter conseguido convencer os Portugueses de que o período 2011-2015 resultou de uma escolha malévola de um governo de direita e não de problemas estruturais do país. Com a política actual, Costa vai erodindo os serviços públicos e empobrecendo o país lentamente.

Na ausência de mudança, este puzzle marcará a política Portuguesa nos próximos dez anos. À medida que formos empobrecendo crescentemente face à União Europeia, este tema tornar-se-á altamente saliente. Não é por acaso que António Costa, quer na Assembleia da República, quer na recente entrevista à Visão, fez da Iniciativa Liberal um dos seus principais alvos. Este partido teve o mérito de trazer o puzzle que enunciei à tona, politizando-o. Antes da campanha de 2022, os termos do declínio de Portugal eram debatidos de forma difusa, beneficiando quem está no poder. De resto,  existem imensos trabalhos na ciência politica que demonstram que a mera existência de clivagens e de temas políticos não é suficiente. É necessário que um partido política escolha trazê-las para a arena política. Foi precisamente isso que a Iniciativa Liberal fez, prestando um óptimo serviço à democracia Portuguesa, apesar das soluções que este partido apresenta para solucionar o puzzle sejam, a meu ver, irrealistas e baseadas em ideias económicas com pouca sustentação empírica.

Este ano não foi ainda o momento da mudança. Dificilmente os próximos serão. No entanto, em 2022, Portugal começou já a enfrentar de frente a sua decadência nos termos devidos. É, pelo menos, um primeiro passo.

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