Durante a semana que acabou, foi publicado um excelente livro, coordenado por Miguel Morgado e Rui Ramos, sobre a direita em Portugal, Linha Direitas: Cultura e Política à Direita (nota de interesse, contribui com um artigo, mas no meio de de cerca de 90 autores, tem pouca relevância e por isso não me inibe de escrever sobre o livro). O livro divide-se em duas partes, a primeira sobre referências – desde ideologias até estadistas, pensadores, livros e filmes – e a segunda sobre temas e políticas públicas que marcam os debates contemporâneos. São pequenas crónicas, e não ensaios longos e maçadores, o que torna a leitura muito mais interessante. Será seguramente uma obra de referência para o debate político em Portugal geral, e em particular sobre a direita democrática portuguesa.
Há dois temas centrais nos textos dos autores. Um é a defesa da democracia liberal. A direita portuguesa é absolutamente democrática, no sentido europeu, ocidental e pluralista do termo. Ao contrário do que acontece com as esquerdas, não há qualquer partido de direita em Portugal que se reveja em ditaduras ou ditadores do passado ou do presente. E ninguém, entre os autores do livro, se revê em regimes como a ditadura comunista soviética ou como a república popular da Venezuela. Em termos de credenciais democráticas, em Portugal, a direita esmaga a esquerda.
Ainda mais importante foi o contributo da direita para a consolidação da democracia portuguesa. Não foi por acaso que o lançamento do livro ocorreu no dia 25 de Novembro. As celebrações das datas históricas dizem muito sobre as posições políticas. No dia 25 de Abril de 1974, derrubou-se o Estado Novo. No dia 25 de Novembro de 1975, derrotou-se a ditadura comunista. A partir de aí, o caminho para a consolidação democrática estava aberto. O 25 de Novembro foi obra da direita democrática, à qual se juntou o PS, contra as extremas esquerdas. A partir de aí, a direita e os seus líderes foram fundamentais para emanciparem a democracia portuguesa da tutela militar.
A cultura política portuguesa atribui um papel central a Mário Soares para a construção da democracia. Não há dúvida que Soares foi muito importante na luta contra o PCP e na conversão do PS num partido defensor da democracia liberal. Mas a AD, Sá Carneiro, Amaro da Costa e Freitas do Amaral foram igualmente essenciais. Sem eles, a democracia poderia ter sido derrotada. O livro relembra este ponto essencial.
Os partidos de direita mantiveram-se fiéis à democracia liberal até hoje. Hoje, uma das grandes questões da política portuguesa é saber se se pode dizer o mesmo do PS. Ainda não sabemos. Para chegar ao poder, António Costa aliou-se a partidos anti-democráticos. Ninguém sabe qual será o preço para o PS e, por isso, para a democracia portuguesa. Mas sabemos duas coisas. Há uma linha mais radical no PS, favorável a uma democracia popular em detrimento da democracia liberal. Olhando para o passado, percebemos que, antes de combater o PCP, Soares foi obrigado a afastar a linha mais jacobina do PS. No caso do presente, também sabemos que Costa está a fazer tudo o que pode para deixar o partido a um militante moderado da linha democrática liberal. Lançou Pedro Marques como cabeça de lista para as europeias, promove Fernando Medina e fez de Souza Vieira o número dois do governo. Costa sabe que fez um pacto com o diabo e partir de agora a luta com a sua consciência será decisiva para o futuro do PS. Mas pode perder.
O segundo tema transversal ao livro é a natureza europeia da direita portuguesa. Aqui o termo ‘europeu’ vai muito além da integração europeia. Como mostram muitos dos textos, as referências dos estadistas, dos livros e dos filmes são um exemplo de cultura europeia e ocidental. A direita contemporânea portuguesa foi educada na Europa e no Ocidente e pensa em termos europeus e ocidentais.
Este ponto é decisivo. Uma das grandes fraturas da democracia portuguesa, nem sempre explicita e visível, mas crucial, é entre a orientação para a Europa e para o Ocidente, e os alinhamentos terceiro-mundistas. Este ‘terceiro mundismo’ continua a marcar as esquerdas, desde o PCP e o Bloco até ao próprio PS. Por exemplo, Sócrates identificava-se muito mais com Lula e Chavez do que com Merkel ou Blair, ou mesmo Obama.
Mas se hoje os portugueses são ‘europeus e ocidentais’, podem agradecer à direita. O CDS e o PPD foram os primeiros partidos políticos a assumirem a integração europeia como o destino de Portugal. O PS depois seguiu-os. E, mais uma vez, Mário Soares foi obrigado a aliar-se aos partidos de direita para permitir a adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Se hoje Portugal é uma democracia liberal e membro da União Europeia, deve-o aos partidos de direita, o PSD e o CDS.
Como mostra o livro, a direita fez muito por Portugal. Voltará a direita portuguesa a ter a força política necessária para defender o seu património histórico e assim ajudar a desenvolver o país? Esta é a questão mais importante da política portuguesa. As Linhas Direitas constituem um apelo às direitas partidárias para se reencontrarem com o melhor do seu passado, para poderem continuar a garantir a defesa da democracia liberal e a orientação europeia e ocidental em Portugal. A direita não precisa de ser reinventada. Precisa de líderes que tenham orgulho no seu passado e coragem para combater a aliança das esquerdas.