Por mais que os «media» façam propaganda, a eleição marcada para o fim do mês de Janeiro próximo não será, infelizmente, muito diferente das anteriores quanto ao eleitorado fantasma e à abstenção maciça. No que diz respeito aos resultados, as sondagens não serão muito mais credíveis do que as anteriores até porque os inquiridos serão os primeiros a reservar sua opinião ou mesmo a escondê-la em função das campanhas mediáticas. O mais provável é que a incerteza acerca do futuro do país se mantenha já que não dependerá apenas do partido que tiver mais votos mas sim do conjunto da votação e de uma provável intervenção do presidente da República (PR): tudo dados que não controlamos e que as sondagens terão dificuldades acrescidas de previsão!

Se pouco podemos antecipar acerca do futuro, também não sabemos grande coisa a respeito do que se passou no parlamento nos bastidores da votação do orçamento de Estado para 2022… O mais provável é que, combinados ou não, o PR e o primeiro-ministro (PM) tenham conseguido levar o sistema partidário ao impasse e à dissolução do parlamento, precisamente na altura em que a polícia descobria que há um número significativo de militares de carreira envolvidos no tráfico de droga em grande escala… Este episódio, no seguimento de tantos outros que têm abalado o país nos últimos anos, ilustra o grau de corrupção em que caímos e ao qual o sistema de justiça não é capaz, não quer ou não deixa pôr termo.

Em compensação, a actual situação política faz pensar na repetição do estado a que o país chegou há quase um século, ou seja, o afundamento da primeira República presumidamente democrática. Ao 28 de Maio de 1926, seguiram-se 48 anos de ditaduras, guerras e revoltas até ao 25 de Abril de 1974, ao qual se seguiram outros tantos 48 anos. Com o tempo, o actual sistema político tem dado cada vez mais provas de não ser capaz de garantir uma representação partidária efectivamente democrática e, sobretudo, um processo sócio-económico capaz de modernizar e fazer crescer duradouramente o o país, apesar de ter beneficiado da adesão à União Europeia a partir de 1986, ou seja, há 35 anos!

Com a chegada ao poder do PS após os dez anos de governação do PSD sob a liderança de Cavaco Silva (1985-95), o país caiu de novo no velho sistema patrimonial incarnado pelo PS no seguimento das elites republicanas – estatistas e clientelistas, como continuam a ser hoje – até nos levarem pela terceira vez à bancarrota de 2011 agravada por crimes económicos até hoje por julgar e punir. Graças à intervenção externa, a aliança PSD+CDS conseguiu estancar a hemorragia mas, graças ao golpe parlamentar de 2015, o novo líder do PS aliou-se à proclamada extrema-esquerda (PCP+BE) a fim de tomar o poder contra a lista mais votada e que havia já voltado a página da crise.

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Pelo caminho, grita-se contra a famigerada austeridade e o liberalismo que tanta falta faz. Com efeito, de então para cá, tem sido o que se sabe, desde a estatização e o clientelismo sistemáticos até ao crescente controle da comunicação social e ao aumento imparável da dívida externa. Este deve-se efectivamente à presente conjuntura inflacionária provocada pela pandemia e arrisca-se a levar de novo o país a mais uma eventual bancarrota que não será coberta pela badalada «bazuca».

Em suma, estamos perante o risco de regressar dez anos atrás mas o PS nega esse risco enquanto o PCP e o BE responsabilizam a UE como de costume. Quanto aos partidos da oposição, com a possível excepção da Iniciativa Liberal, não parecem dar-se conta da actual conjuntura. O PSD não tem capacidade para enfrentar tal desafio após cinco anos de completa desorientação, para não falar do aparentemente moribundo CDS. Se não foram estes os objectivos da dissolução do parlamento, não deixa de se tratar de uma tentativa de dar ao PS a maioria, o que talvez lhe permitisse fazer o que a UE ditará e prometeu a «bazuca»…

Nem de outro modo se pode interpretar a afirmação de António Costa quando afirmou no parlamento não se demitir perante a dissolução da Assembleia da República, ou seja, até à sua presumível reeleição. O objectivo do PR parece, pois, ser o de levar o sistema partidário do país a render-se de novo ao PS, de preferência dando-lhe a tal «maioria absoluta». Já as atitudes tomadas pelo PCP e pelo próprio BE na reunião do Conselho de Estado, declarando-se disponíveis para apoiar um novo governo do PS mediante uma renegociação da «geringonça», são muito pouco convincentes, visando apenas criar divisões entre «esquerda» e «direita» no interior do PS, cuja dependência da UE é no entanto completa. Serão dois meses e meio de suspensão, se não for pior.