Confesso que dou pouca importância política às eleições autárquicas para a gigantesca tarefa de recuperar as perdas económicas e sociais causadas pela pandemia, assim como para alterar a incapacidade de os actuais partidos fazerem as reformas constitucionais necessárias destinadas a sairmos da estagnação dos últimos 25 anos. Com efeito, se as eleições legislativas já são uma corrida partidária às fontes de poder, lugares e negócios que sabemos, o que não será a corrida a 300 e tal concelhos e cerca de 3.000 freguesias: o esquema clientelar é o mesmo e as diferenças de comportamento dependem mais do número de habitantes de cada sede de poder do que da diversidade dos candidatos!
Recentemente, a jornalista Bárbara Reis descreveu a frequência do comportamento clientelar, quando não corrupto, dos profissionais das câmaras e juntas de freguesias independentemente dos partidos. Foi isso que lhe declararam os militantes que conhecem os esquemas e agora se apresentam como candidatos do Chega. Presume-se que, além dos candidatos, também há eleitores que não são isentos de interesses pessoais à escala local. Entretanto, as verbas atribuídas às autarquias portuguesas são das mais baixas da EU, nada tendo de parecido com países federalizados como a Alemanha ou a Espanha. Em suma, dado que a Constituição não especifica a forma como devem ser repartidas as verbas a atribuir às autarquias, o governo central manobra as transferências segundo os seus interesses.
A questão é, contudo, mais vasta e constitui um elemento desmoralizador do funcionamento da representação. Se virmos os dados dos eleitores inscritos em 2017, havia então 9,4 milhões de eleitores, quando a população era cerca de 10,5 milhões e os jovens com menos de 18, portanto sem direito de voto, eram cerca de 2 milhões, isso significa que havia um milhão de inscritos a mais! Em breve saberemos quantos haverá dia 26 mas já ficamos a saber que a abstenção eleitoral é, na realidade, menor do que parece. Segundo, porém, os entrevistados do «Público», há quem use o nome de pessoas falecidas para manipular os resultados…
Isso é indigno de um país civilizado. A única forma legítima de actualizar os cadernos eleitorais, quase 50 anos após o primeiro recenseamento eleitoral, é fazer um novo cadastro eleitoral em vez das actuais manipulações de óbitos, nascimentos, emigrantes e membros da UE residentes em Portugal… Essas manipulações podem, com efeito, dar ou tirar a vitória eleitoral aos partidos concorrentes, nomeadamente aqueles que já estão no poleiro, sejam do partido do governo ou de alguns «bairristas» que controlam as autarquias, como no Porto por exemplo.
Voltando a 2017, votaram então nas eleições concelhias cerca de 5 milhões de pessoas das quais 4,5% votaram branco ou nulo, ou seja, um voto efectivo de 56% dos inscritos, possivelmente menos pois muitos são fantasmas… É de notar que há mais participação a nível concelhio do que a nível nacional, o que tem os seus motivos, entre os quais a multidão de «emigrantes» cuja computação como inscritos é completamente arbitrária e só faz aumentar o número de falsos abstencionistas, mas o governo não se importa com a falsificação dos cadernos eleitorais. Antes pelo contrário!
Vale a pena recordar que há quatro anos perto de 2 milhões votaram no PS, ou seja, 38% do total de votantes; 16% no PSD, mais 9% em aliança com o CDS e 2,5% no CDS, ou seja, 27,5% votaram no antigo «centro»; dos restantes partidos nacionais, 9,5% votaram no PCP e pouco mais de 3% no BE; além disso, houve quase 7% de vários grupos locais. Restaria analisar a distribuição geográfica dos votantes e dos abstencionistas, a fim de compreender a geografia da mobilização local. Em breve veremos o que se passará nas próximas eleições.
À luz do actual momento político, é inútil fazer previsões. Com efeito, mesmo na vintena de concelhos com cem mil inscritos ou mais, apenas há sondagens minimamente fiáveis em Lisboa e no Porto, embora com altas margens de erro. A abstenção real, por seu turno, imprevisível. A última sondagem publicada sobre Almada registava apenas 10% de abstencionistas, o que é obviamente falso, ao mesmo tempo que dava ao PS e ao PCP uma diferença inferior à margem de erro.
Por último, a cobertura da comunicação social não consegue esconder as suas preferências, como sucede no caso da mais recente entrevista ao candidato do PSD em Lisboa, o antigo secretário de Estado e comissário europeu, Carlos Moedas, deliberadamente afastado da vitória pelos «media». Em suma, a uma semana da votação, sabe-se apenas que a mobilização dos eleitores é mínima e, quando não o é, só esconde interesses. Tudo leva a crer que o resultado das eleições não será diferente do registado há quatro anos. Com 80% dos presidentes de Câmara a candidatarem-se pela segunda ou terceira vez, é de prever que tudo fique na mesma.