No próximo dia 10 de março seremos chamados a decidir o futuro de Portugal para os próximos 4 anos.

Num contexto geopolítico bastante exigente, todos os partidos a “concurso” estão insatisfeitos com o “estado das coisas”, prometendo fazer diferente, inclusive aquele que comandou os destinos do país nos últimos 8 anos.

O legado

Para compreender o consenso partidário em torno da necessidade de se mudar a nossa trajetória de desenvolvimento, importa identificar os principais elementos socioeconómicos que caracterizam atualmente o nosso país.

Na realidade, apesar dos progressos substanciais que foram conseguidos em matéria de dívida pública, traduzidos em final de 2023, em valores abaixo dos 100% do PIB – Tabela 1 -, em linha com os valores imediatamente anteriores à “bancarrota” de 2011, mas ainda assim acima do limiar de 60% imposto pelo Pacto de Estabilidade, o certo é que Portugal enfrenta um conjunto de constrangimentos que o impedem, se não forem rapidamente ultrapassados, de sair da cauda da Europa.

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Fonte: Pordata e cálculos próprios. * Corresponde à média aritmética do crescimento anual do PIB no quinquénio terminado em cada ano. A título de exemplo, a média de crescimento do PIB no quinquénio terminado em 2023 (2019-2023) foi de 1,74%.

Em primeiro lugar, o crescimento económico permanece anémico, sendo que a última vez que se registou um crescimento médio anual do PIB (num período quinquenal) acima dos 3%, decorria o longínquo ano de 2002 – Tabela 1.

Por outro lado, o peso da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no PIB situava-se em 2022 abaixo do observado em 2010, o que revela a dificuldade em impulsionar o crescimento potencial da economia — Tabela 1.

Em consequência, a riqueza per capita produzida em Portugal (em paridade do poder de compra), apesar de ter crescido nas últimas duas décadas, continua a ser sistematicamente ultrapassada pelos nossos congéneres de leste.

De facto, se em 2000 Portugal encontrava-se no 15.º lugar no ranking da UE27, 15 anos depois caiu 3 posições (18.º lugar em 2015), tendo levado apenas 7 anos para voltar a cair mais 3 posições (21.º lugar em 2022), sendo expectável que tenha caído ainda mais uma posição em 2023 – Tabela 2.

Fonte: Pordata e cálculos próprios. *O índice de volume do PIB per capita medido em Paridade do Poder de Compra Padrão (PPS) é expresso em relação à média da União Europeia (UE27) equivalente a 100.

De igual forma, e numa economia de mínimos, observa-se uma progressiva “convergência para a média” da remuneração dos portugueses, com o salário mínimo cada vez mais próximo da remuneração e do ganho médio – Tabela 3.

Fonte: Pordata e cálculos próprios. * Relação entre a Remuneração (Ganho) Médio e o Salário Mínimo. A título de exemplo, em 2023 a Remuneração Média era 135% do Salário Médio, ou seja, abaixo dos 162% observado em 2010.

Por outro lado, o poder de compra da generalidade dos trabalhadores encontra-se sob forte pressão — Tabela 4.

Fonte: Pordata, BdP e cálculos próprios. * Montante ilíquido (antes da dedução de quaisquer descontos) em dinheiro e/ou géneros, pago com caráter regular e garantido ao trabalhador no período de referência e correspondente ao período normal de trabalho ** Data de referência para a contagem do n.º de meses (1 de janeiro de 2022).

Considerando como data de referência o dia 1 de janeiro de 2022, constata-se que os trabalhadores que auferem o salário mínimo perderam em 2 anos cerca de 2,8% do seu poder de compra. Para o conjunto de trabalhadores, e tendo como referência a remuneração base mensal, registou-se, em igual período, uma perda de poder de compra de 5,4%.

Em paralelo com a deterioração do poder de compra dos portugueses, registou-se um progressivo agravamento da carga fiscal.

Na realidade, se em 2010 a carga fiscal situava-se nos 30,4% do PIB (33,7% incluindo contribuições), em 2022 atingiu um máximo histórico de 36,4% (38,5% incluindo contribuições) – Tabela 5.

Fonte: INE.

Apesar da carga fiscal se ter agravado tão significativamente nos últimos anos, o certo é que a contrapartida recebida pelo cidadão em termos de serviços públicos não é visível.

Ao nível da educação, e porque a “árvore mede-se pelos seus frutos”, os resultados do PISA não poderiam ser mais arrasadores.

Com efeito, para além da queda de resultados em valor absoluto, observada nos últimos 8 anos, constatou-se, cumulativamente, uma queda no posicionamento relativo. Se em 2015, os resultados obtidos em Portugal estavam todos acima da média da OCDE, em 2022 só ao nível da “leitura” se regista um posicionamento de Portugal ligeiramente superior ao da média (100,2%) – Tabela 6.

Fonte: OCDE e cálculos próprios.

No que respeita à Saúde, a situação também parece pouco animadora. Apesar do acréscimo do peso da despesa pública corrente em cuidados de saúde no PIB, observa-se uma deterioração do nível de resposta do sistema público, sendo exemplo paradigmático o facto de existirem em final de 2023 mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família, obrigando a uma crescente participação do setor privado na resposta às necessidades de saúde dos portugueses (34,2% do total da despesa corrente em cuidados de saúde em 2022 face aos 30,3% observados em 2010) – Tabela 7.

Fonte: Pordata e cálculos próprios.

Por fim a Justiça, que sendo atrasada não é justiça (“mas sim injustiça qualificada e manifesta”, nas palavras de Ruy Barbosa), deixa em suspenso a vida de milhares de pessoas, beneficiando sistematicamente o infrator e contribuindo para agravar a perceção que os cidadãos têm sobre o nível de corrupção — Tabela 8.

Fonte: Transparency International). *O Índice de Percepção da Corrupção mede os níveis percebidos de corrupção no setor público nos diversos países do mundo.

Epílogo

Para aqueles que se recordam ainda dos tempos anteriores à queda do mundo de Berlim, o Trabant apresenta-se como símbolo de uma época e de um modelo económico: O Sistema de Direção Central.

Na realidade, o Trabi, como era carinhosamente chamado, foi um automóvel produzido pela VEB Sachsenring Automobilwerke, na antiga Alemanha Oriental entre 1957 e 1991.

Tinha uma carroçaria de plástico, reforçado com fibras de madeira e restos de tecido e algodão, que era similar a fibra de vidro, e que facilmente se partia caso fosse colocada uma carga excessiva na viatura.

O desempenho em estrada também era medíocre, atingindo uma velocidade máxima de 100 km/h, com uma aceleração dos 0 a 80 km/h nuns “estonteantes” 20 segundos (apesar de pesar apenas 615 kg). Por essas e outras razões foi considerado um dos piores automóveis do mundo.

Vem isto a propósito, do futuro de Portugal.

Com efeito, num quadro em que as propostas populistas, que apelam aos sentimentos mais larvares da sociedade portuguesa, ganham adeptos e em que as visões mais reformistas são incompreendidas (ou mal explicadas), (re)surgem propostas claramente orientadas para o reforço de uma visão em que “o Estado é que sabe o que é bom para os cidadãos”.

Numa época em que as sociedades mais modernas procuram encontrar respostas aos desafios da sociedade com base no equilíbrio entre o Estado, o setor Privado e o setor Social, a tentativa de retomar um modelo de sociedade inspirado no “Sistema de Direção Central” parece-me completamente anacrónica.

Em bom rigor, e porque o principal protagonista deste movimento parece ser um entusiasta dos automóveis, diria que o que nos estão a propor é uma viagem durante os próximos anos ao volante de um Trabant.

Infelizmente, esta solução pode ser muito interessante numa perspetiva museológica, mas seguramente é uma má solução quando se pretende governar um país.

6 de fevereiro de 2024