Ainda que não seja um fenómeno recente, o certo é que a discussão dos temas relacionados com os fluxos migratórios têm preenchido espaço significativo da opinião publicada, ainda que nem sempre acompanhada da necessária imparcialidade.

Com efeito, se uns defendem uma política de “portas abertas”, em particular se o assunto não lhes “tocar á porta” (literalmente), outros entendem que “Portugal é para os portugueses”, esquecendo que a diáspora portuguesa espalhada pelo mundo só existe e singrou porque “a França não foi só para os franceses” ou a “Suíça não foi só para os suíços”.

Uma População em Queda

De acordo com os dados relativos ao Censos 2021 (INE, 2022), “o país registou um decréscimo populacional de 2,1% [2021 vs 2011] e acentuaram-se os desequilíbrios na distribuição da população pelo território”.

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Com efeito, entre 2011 e 2021 registou-se uma queda de 219 mil residentes em território nacional, observando-se uma evolução territorial não homogénea, com a população no Alentejo a cair cerca de 7% enquanto, em sentido oposto, a população na região de Lisboa e do Algarve subiu, respetivamente, 1,7% e 3,6% – Tabela 1.

Tabela 1 – Evolução da População Residente (2011-2022)

Fonte: Cálculos Próprios e INE (Censos 2011 e 2021)

Perante estes dados, as Projeções de População Residente 2018-2080 (INE, 2020), parecem cada vez mais realistas, estimando-se que em 2080 residam em Portugal (projeção central) apenas 8,2 milhões de pessoas, sendo que o número de jovens diminuirá para cerca de 1 milhão, enquanto o número de idosos (65 e mais anos) passará para 3 milhões.

Os Fluxos Migratórios

Se a queda de população observada em 2021 só tem paralelo com o registado nos censos de 1970 (resultado da elevada emigração verificada na década de 60), também o número de portugueses a residirem no estrangeiro apresenta números sem paralelo (1,6 milhões de pessoas, ou seja, 16% da população).

Com muitos a quererem “fugir”, os que entram (por ano, entre 15.000 e 70.000, nos últimos 20 anos), permitem, com alguma dificuldade, “equilibrar a balança”.

Na realidade, ainda que no período compreendido entre 2008 e 2021 o número de emigrantes (481.517) e de imigrantes (491.179) tenha sido equivalente, o certo é que, nas faixas etárias da população ativa, o equilíbrio não foi conseguido: observando-se uma saída líquida de 49.675 pessoas no grupo etário dos 20-29 e de 9.043 pessoas no grupo etário dos 40-49.

Refira-se que a entrada de imigrantes em território nacional tem causado, em alguns setores da sociedade portuguesa, preocupações a, pelo menos, três níveis.

Num primeiro plano, por ausência ou insuficiência das políticas de integração, começa a manifestar-se um sentimento de insegurança em algumas áreas geográficas. Por seu turno, é maior também a pressão sobre alguns serviços públicos, em particular ao nível do Serviço Nacional de Saúde. Por fim e cumulativamente, o acréscimo de pressão no mercado habitacional, em particular junto dos grandes centros urbanos, aperta o círculo de preocupações.

Ainda que este tipo de preocupações não deva ser ignorado, o certo é que, em sentido inverso, os imigrantes têm tido um efeito positivo na sociedade portuguesa que importa salientar.

Em primeiro lugar, o fluxo de imigrantes tem contribuído de forma inequívoca para a natalidade. Com efeito, segundo dados das Estatísticas Demográficas (INE, 2023), em 2015 do total de nascimentos ocorridos em Portugal, 8,4% eram filhos de mãe estrangeira, valor que ganha importância quando nessa data a população estrangeira apenas representava 3,8% do total da população residente em Portugal.

De igual forma, a entrada de imigrantes permite atenuar o envelhecimento demográfico, na medida em que a população de nacionalidade estrangeira é tendencialmente mais jovem que a população de nacionalidade portuguesa.

Por outro lado, os imigrantes têm permitido garantir oferta de trabalho em áreas essenciais para a economia portuguesa, em particular na hotelaria, restauração, agricultura e construção civil, contribuindo desta forma para a criação de riqueza.

Por fim, as contribuições deste universo de imigrantes para o sistema previdencial da segurança social, tem permitido mitigar os desequilíbrios latentes do sistema.

Imigração: O caso particular da segurança social

A sustentabilidade de um sistema de segurança social de repartição está intimamente relacionada com a estrutura demográfica que o suporta.

Com efeito, as pressões demográficas que se observam, com consequente inversão da pirâmide etária, colocam em risco o Sistema Previdencial português e, consequentemente, o Estado de bem-estar que importa preservar.

Neste contexto, o papel dos fluxos migratórios apresenta particular relevância na medida em que, pelas suas características, podem acelerar, por via da emigração, ou mitigar, por via da imigração, as referidas trajetórias negativas que se têm vindo a observar.

Com efeito, desde 2011 que se observa um aumento crescente do peso dos imigrantes no Sistema Previdencial, passando de 6,2% em 2011 para os 13,5% em 2022 – Tabela 2.

Tabela 2 – Pessoas Singulares com Remunerações Declaradas (2011 – 2022)

Fonte: Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração de Imigrantes (2016 – 2022)

Do acréscimo de contribuintes observado nesse período (+936 mil), cerca de 46% (427 mil) foi resultado do fluxo de imigrantes.

O crescimento no número imigrantes a contribuírem para o Sistema Previdencial de segurança social teve impacto não negligenciável nas receitas.

Com efeito, no período compreendido entre 2013 e 2022 as quotizações e contribuições associadas a trabalhadores imigrantes para o Sistema Previdencial ultrapassaram os 8.371 M€, enquanto as prestações concedidas por este sistema a este universo de beneficiários situaram-se em valores próximos dos 1.629 M€, o que se traduz num contributo positivo para o sistema superior a 6.742 M€ – Tabela 3.

Tabela 3 – Receitas e Despesas do Sistema Previdencial com Estrangeiros (2013 – 2022)

Fonte: Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração de Imigrantes (2016 – 2022)

Em face do anterior, constata-se que em todos os anos do referido período, o saldo do Sistema Previdencial seria penalizado caso não existisse o contributo dos trabalhadores estrangeiros para o mercado de trabalho – Tabela 4.

Tabela 4 – Saldo do Sistema Previdencial (com e sem Imigrantes)

Fonte: Cálculos Próprios, Conta da Segurança Social (2013-2022) e Relatório Estatístico Anual – Indicadores de Integração    de Imigrantes (2016 – 2022). *As Contas da Segurança Social relativas a 2022 ainda não estão disponíveis, não tendo sido possível obter informação sobre a despesa do Sistema Previdencial. Em face disso, assumiu-se em 2022 um crescimento despesa do Sistema Previdencial de 4% face a 2021

Atente-se, no entanto, que maiores receitas de contribuições no presente significam maiores despesas no futuro, pelo que este efeito positivo no Sistema Previdencial tem implícito a assunção de uma dívida de longo prazo não negligenciável e que importaria determinar para evitar surpresas.

Epílogo

Portugal enfrenta um “inverno demográfico” que, se não for invertido, terá consequências inquestionáveis a nível económico e social.

Neste contexto, os fluxos migratórios assumem particular relevância, na medida em que, por um lado, a retenção em território da geração de portugueses com a melhor formação académica de sempre e, por outro, a captação de imigrantes com competências e capacidade de responder às necessidades da economia nacional, poderão mitigar os efeitos de “um inverno” há muito anunciado.

Se relativamente à retenção em território nacional dos melhores “talentos” parece existir um aparente consenso nacional (i.e., tecido produtivo mais competitivo com políticas salariais adequadas), relativamente ao fluxo de imigrantes as opiniões divergem.

Na realidade, sendo impossível adotar modelos, como o norte-americano antes de 1914 em que não existiam praticamente restrições à entrada de imigrantes, também não parece benéfico a adoção de modelos que impeçam a sua entrada.

Assim, importa adotar um modelo de controlo dos fluxos migratórios rigoroso, transparente e auditável, que permita uma integração digna e plena a todos aqueles que, respeitando os valores das sociedades democráticas ocidentais, escolheram Portugal como destino para trabalhar e viver.

E nessa matéria julgo que existe muito por fazer.

Na realidade, os episódios de trabalho escravo reportados pela comunicação social; os fenómenos da “cama quente” em plena cidade de Lisboa que poucos se atrevem a contar; ou ainda os tempos de espera para iniciar a análise de um simples processo de requerimento de autorização de residência portuguesa (mais de dois anos) são apenas a ponta de um icebergue de uma política de acolhimento falsamente humanista que deixa milhares de pessoas no “limbo” da ilegalidade.

Com efeito, e parafraseando Milton Friedman, para alguns políticos e empresários “a imigração é na realidade uma coisa muito boa, mas apenas enquanto ela permanecer ilegal”. E isso não é aceitável!

4 de janeiro de 2024