Esta semana, muita gente se mostrou chocada por a nova Miss Portugal ser uma pessoa transgénero, isto é, alguém que um dia foi um homem e, hoje, é uma mulher. A mim, surpreendeu-me mais a revelação de Fernando Medina como ministro das Finanças sério, de dedo em riste apontado aos desvarios da oposição: “Se um dia fossem governo”, disse ao PSD – e notem o uso do tempo verbal que nem admite a hipótese de, um dia, imagine-se o absurdo, virem a ser – “rebentavam com as contas públicas!”. Isto, senhoras e senhores, é que é ser trans: um dia, membro dos governos Sócrates; no outro, paladino das contas certas.

Não é assim tão estranho, pensando bem. Afinal, Medina já tinha dado sinais de estar em transição. Os mais novos poderão não se lembrar, mas eu ainda sou do tempo em que o homem-anteriormente-identificado-como-delfim-socialista era Presidente da Câmara de Lisboa, e antes dele, António Costa, e de como ambos deram rédea solta ao crescimento do alojamento local, o mesmo que agora acusam de ter causado o problema da habitação na cidade. É que, antes, Medina identificava-se como socrático; agora, como a Manuela Ferreira Leite das Avenidas Novas. É preciso respeitar.

O problema é que nem Medina nem Costa fizeram ainda a transição completa: lá no fundo, continuam exactamente tão despesistas e incapazes de uma ideia reformista como antes. É que as contas alegadamente certas que apresentam se fazem, única e exclusivamente, graças ao esbulho dos contribuintes. A proposta de Orçamento de Estado apresentada esta semana identifica-se com uma redução de impostos, mas, mais uma vez, o que faz é aumentá-los por via indirecta. Apesar de todas as necessidades do país, apesar de saberem que as pessoas não têm dinheiro para pagar as casas, apesar de os Portugueses estarem há anos a perder poder de compra real perante a subida da inflação, Costa e Medina não abdicam de continuar a aumentar a carga fiscal, como dois viciados numa coisa qualquer que deve saber muito bem, mas faz muito mal.

A carga fiscal, que já era recorde em 2021 quando estava nos 35,3% do PIB, subiu para 36,4% em 2022, vai subir para 37,2% em 2023 e para 38% em 2024. Vale a pena lembrar que, nos anos Passos, esses em que foi preciso fazer um “brutal aumento de impostos” para cumprir o memorando da troika assinado por Sócrates, essa pessoa que Costa e Medina antigamente identificavam como seu líder, era, em média, de 34%.

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Por outras palavras, não é tanto a vida que está cara; é o PS. Apesar das dificuldades evidentes pelas quais passa o país real, o Partido Socialista não descansa enquanto não ficar com um euro de cada dois que circulem em Portugal. A ricos e a pobres, note-se – a todos. A máquina que Costa e Medina criaram é uma administração que gere a maior fortuna alguma vez vista na República, para depois fazer o que bem lhe entender – sendo que, depois, não consegue fazer nada: contratar um médico, atrair um professor qualificado, construir ou requalificar uma obra pública estruturante.

Então, e a redução da dívida pública?, gritam de lá de trás os groupies do novo Medina.

A dívida pública não foi reduzida. Ninguém meteu lá um só euro dos mais de 60 mil milhões que o Estado arrecada por ano em impostos. A dívida pública bruta, que era de 235 mil milhões de euros em 2015, é hoje de 270 mil milhões e nunca parou de subir ao longo destes oito anos, com excepção de uma ligeiríssima descida de 1,5 mil milhões em 2021, depois do descalabro da subida de 11 mil milhões só em 2020. Tem descido somente em percentagem do PIB, o que não admira, dado o disparo da inflação e aquilo de que já vimos ser feito o PIB português: impostos. Porque, depois de oito anos de Costa e uns tantos de Medina, é esse o país que temos: o grande produto nacional não é o vinho, nem a cortiça, nem os moldes, nem o azeite, nem o calçado, nem os chips; é o imposto. A taxinha. E o turismo, que depois fingem condenar.

Toda a sorte à nova Miss Portugal. É aproveitar enquanto não se lembram dum imposto municipal sobre as transições e de um adicional à santa paciência que nos vai e vem.