Desde 2007, pelo menos, que se fala em federar a direita portuguesa. Paulo Portas regressou nesse ano à liderança do CDS-PP com esse sonho e esse objectivo. A conjuntura era propícia: José Sócrates liderava um Governo de maioria absoluta, a economia seguia impulsionada pelo investimento público e Cavaco Silva era Presidente da República. Com a reeleição do Chefe de Estado no horizonte, tudo na direita apontava para o aparecimento de um líder forte, que não viria forçosamente de um PSD de Luís Marques Mendes incapaz de se distinguir do PS de Sócrates.
A vitória de Sócrates nas legislativas de 2009 atirou a direita para as alas mais liberais e populistas do espectro político. Paulo Portas aparecia assim quase como um D. Sebastião da direita, num plano de poder pessoal que não foi mais longe do que a ascensão a Vice-Primeiro-Ministro do Governo de Pedro Passos Coelho, depois do célebre episódio do “irrevogável” pedido de demissão. O pesadelo em que o CDS está hoje mergulhado é ainda consequência directa deste episódio umbilical de Paulo Portas.
Mais de 10 anos volvidos, a direita portuguesa vê-se novamente na mesma situação: um Governo suportado por uma maioria parlamentar de esquerda, um PSD que faz por não se distinguir do PS, um Presidente da República já reeleito e a ala mais populista à direita dos sociais-democratas em alvoroço… mas sem uma liderança forte no seu espaço político. Sobram movimentos e tentativas para fazê-lo, faltam figuras dispostas para liderar esta federação.
Enquanto muitos espelham o mesmo complexo sebastiânico em Pedro Passos Coelho, não se conhece no antigo Primeiro-Ministro qualquer declaração ou inclinação públicas para esse regresso à política activa. Não se vislumbra, aliás, quem possa federar o espaço político à direita do Partido Socialista e, mesmo que Passos Coelho quisesse avançar para essa hercúlea tarefa, sentiria bastantes dificuldades nas actuais circunstâncias, tão polarizado que está o espaço à direita do PSD.
A direita encontra-se então verdadeiramente órfã, não só de um líder capaz de comandar um projecto desta natureza, mas também de ideias. É neste mesmo vazio ideológico que se vive a verdadeira crise da direita tradicional. A direita moderada foi engolida pelo monstro do centrão, arrastando assim para a mesma orfandade os seus tradicionais apoiantes e eleitores. As sondagens têm repetidamente tornado evidente o fatídico destino destes votos, dado o sentimento generalizado à direita de falta de alternativa. Um festival canibalístico que parece não ter fim à vista.
Eis que – e em linha com o argumentário de se fazer frente à maioria de esquerda que se desenhou no Parlamento – vimos o ressurgimento do tal sonho portista de federação. Há três anos, apenas, seria absolutamente impensável a necessidade de reunir um painel dedicado à convergência das direitas.
Não obstante, aquilo a que assistimos no MEL, um espaço criado para o envolvimento da sociedade civil no debate de ideias políticas, foi a uma reunião de uma direita fragmentada que se quis discutir a ela própria, num quase exercício de psicanálise, focado no saudosismo e num revisionismo francamente oco e patético. Mais ainda, assistimos à normalização de discursos preocupantes num espaço que deveria ser, por princípio, livre de tais contaminações ideológicas e militaristas.
Tudo isto é lamentável. A direita precisa de discutir seriamente, e de uma vez por todas, a sua sobrevivência política como um todo e é neste enquadramento que um molde mais federalista pode estar em cima da mesa. A urgência desta discussão prende-se, numa primeira instância, com a demissão do PSD de marcar a agenda política e mediática – deixando-se levar a reboque de um partido que governa à vista, acabando por transformar-se num autêntico clone do Partido Socialista – e com a autofágica trajetória que o CDS tem vindo a prosseguir nos últimos anos.
Mas deveria surgir, acima de tudo, para combater o crescimento dos movimentos de extrema-direita em Portugal, perigosamente materializados já num partido com representação parlamentar. É esta ausência de alternativas no espaço do centro-direita que permitiu que o Partido Socialista se instalasse e se transformasse num partido charneira, ocupando o espaço político do centro até à extrema-esquerda e que levou ao aparecimento destes populismos selvagens, demagógicos e intolerantes de que André Ventura é o poster boy.
Esta federação da direita deve materializar-se numa reedição da Aliança Democrática, substituindo o PPM pela Iniciativa Liberal. Mas alguém consegue imaginar Rui Rio ou Francisco Rodrigues dos Santos nos papéis de Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral?
A linha vermelha desta frente de direita tem de estar no Chega. O Chega não faz, não pode, nem quer fazer parte de qualquer solução de direita. A única solução que o Chega aceita para a direita é a sua própria proposta, ditando as condições, sem qualquer abertura para negociação.
A direita não pode passar um cheque em branco, nem deve aceitar um vale tudo para regressar ao poder. Tem de haver uma linha muito bem definida sobre o projecto que quer apresentar ao país. A direita não pode cair na tentação de se juntar a um partido que defende e promove abertamente a intolerância, o ódio, o racismo, a misoginia. Não pode escolher o caminho mais fácil ou tomar atalhos para chegar ao poder.
Esta frente de direita tem de assumir, sem medo ou pruridos, o que quer para o país. Um Estado mais eficiente, mais bem gerido, que consuma menos recursos, que cobre menos impostos e que os aplique bem, que dê mais espaço à iniciativa privada e que lance as condições para tornar a economia portuguesa mais competitiva e criadora de riqueza. Só assim se consegue pagar um Estado Social que a esquerda tem insustentavelmente vindo a aumentar, mais interessada em manter o status quo.
O foco para a direita deve deixar de assentar só e apenas nas políticas económicas, que classicamente defende, e passar a incluir um posicionamento mais centrado nas questões de unificação social, de aceitação, diversidade e integração, em directo contraponto à retórica de quem vive de semear a discórdia e a divisão, que se alimenta de colocar os Portugueses uns contra os outros.
Sem que estas condições estejam reunidas, torna-se improvável para esta direita apresentar-se como alternativa ou sequer sonhar com uma frente democrática federada com um plano viável para o futuro de Portugal.