Uma economia a derrapar, um governo paralisado e impossível de remodelar, um ex-ministro desse mesmo governo todas as semanas na televisão a questionar o primeiro-ministro, um presidente da república ferido no seu orgulho e os serviços públicos num caos. Estavam reunidas as condições para que o futuro político de António Costa se reduzisse a um mero arrastar no tempo. O tempo, esse, que nos faz crer que a reacção de Costa não terá sido tão intempestiva quanto pareceu. Foi rápida, certo. Mas preparada, com certeza.
Foi da inconsistência do seu governo que António Costa se libertou. É verdade que, após as graves intromissões políticas na administração de uma empresa pública como a TAP, a mera suspeição de mais um caso a pairar sobre alguns ministros e o seu chefe de gabinete seriam motivos mais do que suficientes para a demissão imediata do primeiro-ministro. Até porque o próprio tinha colado o seu destino político a João Galamba, que foi constituído arguido. Só por estes factos a sua demissão seria o desfecho mais natural.
No entanto, António Costa quis aproveitar o momento. É possível que desde a Primavera pensasse num pretexto para sair. Só não podia ser por iniciativa do Presidente ou derivado do mal-estar social. O ideal é que fosse por uma razão exterior ao mundo político. Assim, pegou num parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República para se justificar. E se vitimizar. Ao sair, com o pretexto dessa dúvida que paira sobre a sua honorabilidade, visa criar condições para se redimir. A sua saída terá sido impulsiva porque honesta. Esta já é a narrativa que se conta por aí. Com esta acção pretende condições para se apresentar à corrida a Belém, em 2026, libertar-se de um governo moribundo, obrigar Pedro Nuno Santos a largar a televisão e vir a jogo, exonerar o PS da crise económica e responsabilizar o Ministério Público (e o Presidente da República) pela crise política. Ao fechar a porta para se ir embora, e enquanto deitava uma última vista de olhos ao que restava, ainda se lembrou de Mário Centeno e entalou-o.
A vingança serve-se fria e a política é o lugar ideal para isso. António Costa é um político amoral. É isso que o torna num táctico genial e num fraco governante. Alguém que não vai além das jogadas de bastidores, quem sabe até seja um exímio jogador de xadrez, mas que não tem mais nada. Chegado ao governo pouco mais fez que continuar com os golpes, jogadas, tácticas, rodeios que tiveram como resultado oito anos de governação terminarem desta maneira. Foi um bom espectáculo de um homem que deu, baralhou e voltou a dar as cartas do jogo. E o que resta depois de um boa noite de póquer? Além de um ganhar e os outros perderem, nada. Absolutamente nada.