Fica uma recomendação para o novo Governo e os deputados que forem eleitos dia 30 de Janeiro. Antes de aprovarem qualquer legislação façam um exercício prático sobre a sua aplicação, coloquem-se na pele das pessoas que têm de cumprir essas regras e verifiquem como é que as vão respeitar. Que passos têm de dar, a que entidades têm de pedir autorização, que papéis têm de arranjar. Assim como se avalia o impacto financeiro e os efeitos na igualdade de género, vale muito a pena passarem a fazer esse exercício, de prática da lei, para cada diploma que aprovem. Isto se querem que, de facto, a lei se cumpra e não querem incentivar a clandestinidade ou um país em que as regras são para cumprir mais ou menos.
A leveza com que se tratam assuntos muito sérios atingiu o seu grau máximo – para evitar outras classificações – na legislação sobre a morte medicamente assistida ou eutanásia. Valeu-nos o Presidente da República que devolveu o diploma ao Parlamento para que esclarecesse «se é exigível “doença fatal”, se só “incurável”, se apenas “grave”» para se antecipar a morte. Porque o diploma vai referindo todas essas alternativas. Nem quando está em causa a vida de uma pessoa isso merece uma atenção redobrada dos legisladores.
Assim sendo, não é de estranhar que em matérias que regulamentam a economia também se adoptem atitudes de “meia bola e força”, com os deputados concentrados fundamentalmente no efeito mediático do que dizem.
A legislação sobre o teletrabalho é um exemplo disso. E, mais uma vez, foi o Presidente da República a identificar, logo na promulgação do diploma, em Novembro, os problemas que agora se estão a sentir generalizadamente. Disse Marcelo Rebelo de Sousa esperar que, no futuro, matérias como esta passem pela Concertação Social. E alertou para o facto de o diploma «entrar em pormenores de regulamentação de complexa aplicação».
E os seus alertas estão a transformar-se agora em dores de cabeça para as empresa. As regras sobre teletrabalho entram em vigor no dia 1 de Janeiro e logo a seguir vamos estar na designada semana de contenção da pandemia, em que o teletrabalho é obrigatório. E empregadores e empregados têm de respeitar as novas regras.
O diploma ignora desde logo as práticas que estão a ser seguidas por muitas empresas em termos globais. A pandemia permitiu reorganizar o trabalho e, nas actividades em que isso é possível, foram criados regimes mistos multivariáveis. Há empresas em que as pessoas podem organizar-se como entenderem desde que pelo menos um a dois dias por semana as equipas possam estar fisicamente juntas. Os espaços dos escritórios, nalguns casos, estão a ser repensados com menos secretárias, por exemplo, e mais locais que funcionam como salas de reuniões, para quando todos estiverem presentes. Como se pode ler neste relatório da KcKinsey, não há um modelo igual para todos.
Pois os nossos deputados nem se deram ao trabalho de perceber quais eram as tendências e criaram desde logo factores de rigidez, que não beneficiam nem o empregador nem o empregado. Na lei 83/ 2021 define-se o que é teletrabalho indo-se ao ponto de dizer que se faz através do recurso a tecnologias de informação; exige-se um acordo escrito; a definição de horário e o acordo tem de dizer onde é realizado o teletrabalho e a periodicidade dos contactos presenciais.
Ou seja, se o acordo disser que se está a trabalhar num sítio não se pode ir para outro. E se de repente for preciso reunir a equipa mais do que o previsto no contrato, não se pode. E também não se pode contactar o empregado fora do horário que está no contrato, pressupondo-se que se obriga o trabalhador a desempenhar as suas tarefas apenas e só no horário de trabalho, impedindo-o de gerir de forma flexível o seu tempo.
Não se percebe em que mundo vivem os deputados que conceberam esse retrato do teletrabalho. Dá-se assim um primeiro passo para destruir o valor do teletrabalho, quer para as empresas quer para os trabalhadores, entre o qual está a flexibilidade com ganhos para conciliação entre a vida familiar e profissional.
Depois vem a parte das compensações. Cria-se uma complicação enorme para calcular qual o valor que o trabalhador deve receber por estar a trabalhar em casa. Estabelece-se que «são integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte». E a seguir diz-se que se consideram despesas adicionais as que correspondam à aquisição de bens e serviços que o trabalhador não dispunha, assim como «as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo». Pressupõe-se que vai ser preciso andar a fazer comparações homólogas todos os meses, que se aproximam de zero quando se está há mais de um ano num regime de teletrabalho, como vai acontecer com algumas empresas que optem pelo sistema misto.
Obviamente que a legislação instalou o caos nas empresas e uma corrida aos juristas especializados em legislação laboral para perceberem como é que vão aplicar estas regras. Será que dava muito trabalho aos deputados estudar o que já se faz noutros países, havendo até relatórios já publicados sobre o tema que facilmente se encontram na internet, como aqui? A partir dessa comparação, entre diferentes legislações, deviam ter tentado identificar as melhores práticas e avançarem com aquelas que melhor servem todos, já que não quiseram que as regras fossem um resultado da reflexão em Concertação Social.
A leviandade e indiferença com que se legisla, sem considerar os efeitos que as regras têm nas pessoas e nas empresas – e através delas outra vez nas pessoa –, é seguramente hoje um dos principais motivos para o nosso medíocre desempenho económico. Veja-se, por exemplo, o que diz o director-geral do El Corte Inglés em Portugal Enrique Hidalgo, na entrevista que dá ao Expresso. «Às vezes, para um espanhol, é desesperante, custa assimilar os tempos, os procedimentos, a complexidade da teia burocrática, é muito complexo», diz, considerando que Portugal deveria agilizar bastante estas estruturas que permitem investir.
A legislação feita em cima do joelho e as mil e uma regras que entidades várias vão criando fazem com que seja até um milagre existir quem queira ser empresário em Portugal. É preciso ter negócios que deem bastante dinheiro para se poder pagar a contabilistas, fiscalistas, solicitadores e advogados que orientem o empresário na teia legislativa e burocrática do país.
Uma das prioridades do futuro governo devia ser sem dúvida a simplificação legislativa, impondo ainda que todas as regras tivessem uma avaliação dos procedimentos que iriam exigir. E uma das primeiras tarefas devia começar por rever esta legislação do teletrabalho, já que os deputados conseguiram, quase, estragar as vantagens deste regime. E é urgente simplificar se queremos ser um país mais próspero e desenvolvido.