2021 será um ano extraordinário em muitos aspetos. Em Portugal, existem dois grandes desafios para as políticas públicas: implementar um programa de saúde pública de uma dimensão de que não há memória no país e lançar as bases para a aplicação do próximo ciclo de fundos Europeus, que serão praticamente o dobro do que foram no ciclo passado. A forma como estes desafios serão ultrapassados irá marcar, de forma indelével, a capacidade de recuperação e de convergência do país.
Infelizmente, estes dois desafios terão de ser superados por um Governo que não assume responsabilidades pelos seus erros e se encontra na situação peculiar de não ter nem um apoio estável parlamentar nem uma oposição eficaz. Assim, nem o Governo demonstra qualquer desejo de aprender com os erros, para eventualmente os corrigir, nem existe capacidade nos partidos que não apoiam o Governo para o obrigar a mudar de rumo. Esta conjuntura política pode revelar-se especialmente perigosa no próximo ano.
Desde logo, contrariamente à legislatura anterior, os partidos à esquerda do Governo, em particular o PCP e o Bloco de Esquerda, revelaram, em dois momentos cruciais de 2020, que estão inteiramente guiados por uma estratégia oportunista de curto prazo. Sem acordo de longo prazo, estiveram ambos dispostos a rejeitar o Orçamento do Estado e o Orçamento Suplementar, demonstrando que facilmente poderá surgir uma crise política por cima da crise atual. Esta incerteza poderá tornar-se difícil de gerir, especialmente no próximo orçamento, quando as consequências da crise nas contas públicas se tornarem muito visíveis, e começar a ser necessário fazer escolhas mais criteriosas relativamente aos apoios concedidos às famílias e às empresas.
Mas o Governo também não tem uma oposição eficaz. Um sinal especialmente marcante disso foi quando o principal partido da oposição aceitou menorizar o papel do Parlamento, ao permitir que fossem reduzidos os debates com o primeiro ministro, incluindo os debates que precedem o Conselho Europeu. A oportunidade de escrutinar a ação do Governo foi limitada no preciso momento em que era mais imperiosa.
Em 2021, a urgência que se coloca ao país exige que o Governo seja muito melhor: mais eficiente a planear, mais transparente a explicar as opções aos cidadãos, por exemplo na decisão sobre as prioridades na distribuição das vacinas, que crie os mecanismos para evitar que a atribuição dos fundos europeus se transforme numa “festa para o país”, como em tempos disse uma ministra da educação sobre a Parque Escolar, que beneficiou tão poucos. Mas exige também mais da oposição. Que seja mais sistemática na avaliação do Governo, que não se deixe levar pela agenda das esquerdas, que questione as opções do Governo e que, finalmente, critique a atuação sistemática levada a cabo pelo Executivo para limitar a atuação das entidades independentes.
Antes da crise já Portugal estava a ser ultrapassado por todos os países Europeus. Sem uma melhoria significativa na governação do país, não há vacina nem fundos europeus que nos tirem desta mediocridade. No momento em que Portugal inicia a Presidência da União Europeia, a substituição do procurador por um amigo do Partido Socialista é um péssimo sinal do que tem sido a marca deste Governo e uma mancha na credibilidade de Portugal face aos seus parceiros Europeus.