Conta a história apócrifa que a rainha Maria Antonieta, surpreendida com os protestos dos famélicos nos portões do palácio de Versailles, ao ouvir que não tinham pão, perguntou porque não lhes davam brioche. Variações desta história existem há muito, atribuídas a rainhas diferentes. E não sendo verdadeiras, servem como um alerta para a decadência dos regimes falhados e periclitantes, que à beira do precipício, já não têm nada para oferecer aos seus cidadãos.

Esta semana a cúpula da governação em Portugal teve o seu momento “Maria Antonieta”. Só que um pouco pior, porque nem sugerem brioche. Perante a miséria, a necessidade de apoio alimentar que já ocorre nas classes médias, o desemprego galopante, a incapacidade de controlar a evolução da covid, o atraso nos apoios às empresas, o colapso no consumo e na atividade económica, os nossos governantes oferecem circo. O sinal mais claro de decadência será porventura o primeiro ministro achar que alguém com dois dedos de testa considera que organizar a Liga dos Campeões da UEFA nestas condições, é mesmo um “prémio” aos profissionais de saúde, que serão seguramente os primeiros na linha da frente mais sacrificados se daí resultar mais um surto de covid.

Esta falta de sensibilidade é apenas um de três sinais perturbadores desta Governação. O segundo é o desplante com que as elites consideram que têm o direito de usar o poder para o seu próprio interesse. A passagem, quase sem oposição, do anterior ministro das Finanças para o Banco de Portugal é o sinal mais claro de como as portas giratórias prejudicam o interesse público. Já escrevi aqui sobre os problemas de independência e de conflitos de interesse que se colocam. Mas ainda que acreditássemos que não há problemas de independência e objetividade, torna-se hoje penosamente claro, que, contrariamente à propaganda, o professor Centeno não é o Ronaldo das finanças que nos tentaram vender. Desde logo, porque parece que afinal o grande obreiro do milagre das contas públicas com cativações e cortes de investimento foi o atual ministro João Leão. Depois, porque a herança que deixa no setor financeiro é no mínimo pouco reluzente. Nas notícias mais recentes sobre o Novo Banco, está à vista de todos que o negócio de venda significa um rombo para os cofres do Estado. Não só o mecanismo de capital contingente, que tem obrigado o Fundo de Resolução a entrar com dinheiro emprestado do Estado todos os anos, mas também o mecanismo de “capital backstop”, que resulta diretamente da negociação do Estado português com a Comissão Europeia, e poderá obrigar o Estado a intervir se os rácios de capital ficarem abaixo dos mínimos, o que não é improvável no contexto da atual crise. É extraordinário que o Ministro que assinou decisões desastrosas para o setor financeiro passe a supervisionar as consequências das obrigações que ele próprio criou.

O terceiro sinal é a aparente incapacidade de separar o fundamental do acessório. Neste momento já quase tudo está aberto, exceto as escolas. Temos um campeonato europeu de futebol em Portugal, mas as escolas continuam fechadas. Podemos ir à praia, restaurantes, centros comerciais onde não há sequer janelas para arejar, mas as crianças não podem ir à escola. E em setembro como será o regresso? Ninguém sabe. Ninguém prevê. O ministro da Educação está desaparecido numa das fases mais críticas para o sistema educativo em democracia. O único, ainda que muito imperfeito, mecanismo para reduzir as desigualdades sociais em Portugal está parado e sem data de abertura. Mas já se sabe que os prejuízos para as crianças mais desfavorecidas serão enormes.

Mas se as crianças não puderem ir à escola também não faz mal porque podem sempre ir às compras ou à bola.

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