A situação governamental do país descontrolou-se e a mesma apresenta-se insustentável. Somos um povo cunhado pelo saudosismo, mas para ter saudade é preciso lembrar e na verdade, a estratégia praticada pelos nossos políticos é distrair e confundir para governar.

Acredito que isso tenha acontecido recentemente nas declarações do Sr. Primeiro Ministro ao país. Após a presente declaração, li em muitos comentários das redes sociais que o Sr. Primeiro Ministro era um “agente da coragem” ou um “homem de caráter firme”, mas eu diria apenas que, relativamente a este caso, o carismático Sr. Primeiro Ministro utilizou o último trunfo que restava na sua manga. Tal como referiu assertivamente Sebastião Bugalho no seu comentário político, o Sr. Primeiro Ministro não tinha nada a perder com esta atuação, na verdade só tinha a ganhar. Neste preciso momento o Sr. Presidente da República só tem três possibilidades: a) dissolve a Assembleia da República; b) demite o Governo; c) não faz rigorosamente nada.

Na minha opinião, se o Presidente da República não tomar nenhuma ação, corre o risco de perder a sua relevância política, algo que o Sr. Primeiro Ministro deve saber, deixando o caminho livre para a sua governação. Por outro lado, se o Presidente da República antecipar as eleições legislativas através da dissolução da Assembleia da República, isso poderá beneficiar o Sr. Primeiro Ministro, que ainda tem algum peso junto do eleitorado em comparação com os próximos meses, dadas as atuais polémicas. No entanto, a principal razão para tudo isto é que, ao dissolver a Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa também dissolve a comissão de inquérito de Pedro Nuno Santos, Frederico Pinheiro, Hugo Santos Mendes e, mais recentemente, de João Galamba. É uma situação clássica de win-win para o governo de António Costa, ou, se preferirmos, um xeque-mate político.

Ademais, ao analisarmos a situação com minúcia, constatamos que João Galamba, antes de assumir o cargo de Ministro das Infraestruturas, desempenhava a função de adjunto do antigo Ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, tornando-se assim a continuidade natural do problema relacionado à TAP. Se o Primeiro-Ministro realmente ponderasse a demissão do Ministro Galamba, a quem recorreria para assumir o Ministério das Infraestruturas de Portugal? Quem, perante o atual cenário de instabilidade política, teria a audácia de assumir a responsabilidade por esta pasta?

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Se a complexidade do cenário não fosse suficiente, temos conhecimento de que a decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, seja pela dissolução da Assembleia da República ou pela aceitação da demissão do governo, poderá trazer implicações ao Plano de Recuperação e Resiliência da Europa (PRRE). Caso o Presidente opte pela dissolução da Assembleia da República, tal medida levará à convocação de eleições antecipadas e à formação de um novo governo. Durante esse período de instabilidade política e mudança governamental, é possível que ocorram atrasos na implementação do PRRE em Portugal, o que pode comprometer a eficácia e gerar um impacto económico e financeiro negativo no plano de recuperação nacional.

É óbvio que a demissão do governo também pode ter consequências semelhantes, uma vez que a formação de um novo governo pode levar algum tempo, e as prioridades políticas e estratégias dos novos líderes podem diferir daquelas do governo anterior. Essa mudança pode conduzir a atrasos na execução do PRR e, em última instância, afetar o progresso da recuperação económica e social de Portugal.

É intrigante que, diante de um problema de tal complexidade, o que ganhou destaque nas várias plataformas de comunicação foi um jovem que, no plenário do parlamento, utilizou a expressão de enviar alguém para o cesto da gávea, mas através de uma gíria popular. Era uma punição normativa para os marinheiros que fizessem asneiras. Seria uma analogia para a atualidade? Além disso, enviar alguém ao cesto da gávea não deveria ser encarado com tanto puritanismo pelo governo, principalmente considerando que o próprio Sr. Ministro das Infraestruturas já fez uso desta mesma expressão (a bem) no passado. O verdadeiro desafio reside no facto de o governo manter sua integridade e maturidade política exclusivamente em conversas “off-the-record“. É lamentável, pois Portugal e os portugueses mereciam mais. Contudo, como Maquiavel afirmou: “A política possui, no mínimo, duas faces – aquela que se revela aos olhos do público e aquela que se desenvolve nos corredores do poder”.