Ópio primeiro

O futebol não é isto, diz-se. Então é o quê? Parece que, descontados os dirigentes, as “claques”, os comentadores, os empresários, as “estruturas”, o sr. Bruno de Carvalho, a “clubite”, a Liga daquilo, a Federação daqueloutro, a delinquência, a corrupção, as arbitragens, os “e-mails”, o fanatismo, a tutela, a cobiça, os canais generalistas e especializados, o sr. “Mustafá”, a violência, as trafulhices, o ódio, os pontapés na gramática e os casos judiciais, o futebol é uma coisa linda.

Eis a questão: será assim tão linda que justifique sofrermos as calamidades acima? E eis a resposta: não, evidentemente que não. Conforme cada entendido no ramo não se cansa de repetir, o futebol provoca uma quantidade de efeitos secundários e malignos bastante superior aos benefícios que induz. É igual a tomar um medicamento para a micose que assegurasse cataratas, perna dormente e dois AVC. Ou a mandar milhares de portugueses morrer na Grande Guerra apenas para que, um século depois, “estadistas” sem pudor se divertissem a achincalhar a memória dos desgraçados. Um golo do Alcochetense garante, no máximo, sete segundos de festividades; o já lendário “terrorismo” de Alcochete implica setecentas horas de emissões televisivas quase ininterruptas, de longe um terror mais desumano.

Parafraseando os profissionais da indignação, é, ou deveria ser, tempo de gritar “Basta!”. Com a possível ressalva do PS, que se choca com a “festa brava” a ponto de baixar o IVA da mesma, há por aí resmas de excitados desejosos de proibir as touradas, de facto uma actividade pateta mas que só prejudica touros. Porque é que não se proíbe o futebol, cuja ubiquidade prejudica as pessoas, transformadas em bovinos no processo?

É fácil. Porque sem a sujeição obsessiva à bola toda a gente poderia reparar no resto. E o resto é a anedota de Tancos, os hospitais arruinados, os “media” submissos, as corporações à solta, a censura a céu aberto, as regalias do “banqueiro” Salgado, a impunidade da extrema-esquerda, os juízes sorteados até que o sorteio acerte, os fogos sem fumo ou responsáveis, os invertebrados que fazem da elasticidade uma carreira, o inqualificável dr. Costa, o qualificável prof. Marcelo, o dr. Rio, o dr. Ferro, as carmelitas do Bloco, etc. Realmente, o futebol não é isto. Isto é o país, e é muitíssimo pior.

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Ópio segundo

Descobri há dias a existência de um ministro do Ambiente e da Transição Energética. Para que serve? Aparentemente, para recomendar à populaça contenção nos gastos. Ou, nas palavras do sr. ministro, quem quiser pagar menos IVA na electricidade só tem que baixar a potência contratada. A potência em causa não aguenta duas bocas de cerâmica? Tretas: para o sr. ministro chegam e sobram a uma família de quatro, desde que, claro, esta esteja disposta a dispensar o “conforto” (cito) e se resigne “à sua verdadeira necessidade” (cito outra vez).

Nos tenebrosos tempos da “troika”, um décimo de semelhante prepotência bastaria para encher “telejornais” com relatos de suicídios e encher salas com intérpretes da “Grândola”. Hoje a prepotência é tão normal que não ofende ninguém, não merece manchetes e afinal, não é prepotência, mas uma série de conselhos sábios. A normalidade, aliás, constrói-se devagarinho. Os combustíveis são caros? Não são nada, as pessoas é que se estragaram com mimos e desbarataram os prazeres do autocarro, da bicicleta e da carroça. A água é cara (e, para cúmulo, ilegalmente compulsiva)? Nada disso, as pessoas é que se habituaram a andar lavadas e descuraram as ancestrais virtudes do surro. E, não tarda, o mesmo princípio servirá para a comida, a roupa, a casa, a saúde e demais luxos que amoleceram o povo, o qual aos poucos se acomodará a viver com pouco. Cruel seria privar o Estado das suas verdadeiras necessidades, incluindo a de empregar, a preços justos, utilíssimos governantes.

A descida aos abismos venezuelanos não se faz por decreto súbito: faz-se com pequenos passos, descaramento, delírio, despotismo, incompetência, ganância. E a apatia de todos, que quando alcançarem a miséria material e moral já se esqueceram da viagem. A Venezuela também demorou a perceber que era a Venezuela, e agora comem (cães) e calam.

Ópio Terceiro

Se me permitem, aproveito a oportunidade para divulgar o Cannadouro 2018, a realizar hoje e amanhã no Centro de Congressos da Alfândega do Porto. O certame conta com espaços de exposição, cedidos a “empresas nacionais e internacionais relacionadas com os actuais usos da cannabis e que representam toda a capacidade inovadora e empreendedora deste sector de negócios”. Entre as corporações representadas, destacam-se a E-Canabidol, a Cannabeer, a Cannativa e, naturalmente, a Loja da Maria. Noutra vertente, não podiam faltar as conferências, que “continuam a ser uma forte aposta para promover o debate publico e dentro da sociedade civil em torno da utilização do cânhamo em todas as suas vertentes: industrial, recreativa e medicinal fazendo frente ao preconceito relativamente a esta planta multi-versátil”. Para abrir o apetite, refiram-se os debates “Utilização de Betão de Cânhamo na Construção”, “Cânhamo, a Alternativa às Grandes Culturas” e “Faz Esse: Gerir o Prazer e o Risco no Consumo de Canábis”. Para o final, aguarda-se com enorme expectativa a mesa-redonda “Dar Voz às Mulheres Canábicas”.

Não pergunto porque é que os organizadores oscilam entre escrever “cannabis” e “canábis”. Não pergunto porque é que, quando o assunto envolve charros, a inovação, o “empreendedorismo”, as multinacionais, os negócios e o betão passam a ser coisas espectaculares. Não pergunto como é que uma planta (ou outra porcaria qualquer) consegue ser multi-versátil. Não pergunto o que são “mulheres canábicas” nem porque é que andam caladas. E sobretudo não pergunto o que é que esta gente anda a fumar, já que seria a redundância do milénio.