Há 50 anos, a medicina de reprodução estava apenas a dar os primeiros passos em Portugal. Como ginecologista e obstetra dedicado à medicina de reprodução, testemunhei de perto esta evolução, mas também as barreiras que existiram e ainda persistem para tantas famílias que sonham em ter filhos – leis e regulamentações que não acompanham os avanços médicos e as necessidades dos pacientes.
Um exemplo destes obstáculos é o diagnóstico genético pré-implantação, com o objetivo de detetar antecipadamente uma anomalia ou doença genética graves. Em Portugal, ainda existe uma falta de consenso sobre como equilibrar o potencial destas tecnologias com as preocupações éticas e sociais. Isto pode levar a dificuldades tanto para os profissionais de saúde que querem aplicar estas técnicas para ajudar osseus pacientes, quanto para as famílias ansiosas por opções de tratamento que atendam às suas necessidades e valores.
Outro obstáculo, gritante, é a gestação de substituição. Segundo dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entre 2014 e 2020, mais de 10 mil casais recorreram a tratamentos de procriação medicamente assistida em Portugal. Enquanto muitos países já regulamentaram estas práticas, em Portugal continuamos a assistir a um impasse político e demasiados portugueses são forçados a procurar este tratamento no estrangeiro, quando o nosso país tem a tecnologia e as condições para o fazer.
Outro problema, de cariz mais estrutural, é as listas de espera intermináveis para tratamentos de procriação medicamente assistida no Serviço Nacional de Saúde. Revelando um aumento significativo em relação aos anos anteriores, são milhares os casais em lista de espera para estes tratamentos, obrigando-os cada vez mais a recorrer a soluções desesperadas e potencialmente compromissoras para a sua saúde.
Enfrentamos também outro desafio caricato: enquanto o chamado “prazo de validade” da mulher na medicina de reprodução está nos 50 anos, o dos homens é ilimitado, complicando a vida e transformando uma potencial mãe numa mulher com os sonhos destruídos, por vezes, por uma questão de meses. Que a marca dos 50, na democracia como nas mulheres portuguesas, seja, não um bloqueio, mas um sinal de esperança e futuro.
Devemos, contando, sim, sempre com o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, ouvir os especialistas, regulamentar casos específicos e, se necessário, explorar Parcerias Público-Privadas para aumentar a capacidade e eficiência dos tratamentos disponíveis. Seria um grande passo que este Governo assumisse o compromisso de enfrentar os desafios da infertilidade em Portugal, ou continuaremos a falhar às nossas famílias e aos nossos cidadãos. É tempo de garantir que todos os casais possam construir as suas famílias com dignidade e liberdade.