O Governo Português apresentou terça-feira o PNEC, o Plano Nacional de Energia e Clima. É um documento que faz parte do compromisso assumido no Acordo de Paris e cuja publicação ocorre num momento chave da luta contra as alterações climáticas. É um plano bem desenhado, com objetivos bem ambiciosos – 47% de energia de fonte renovável no consumo final e redução em 35% do consumo de energia primária –  e que cobre 5 dimensões principais: descarbonização, eficiência energética, segurança de abastecimento, mercado interno da energia e investigação, inovação e competitividade.

Este Plano, em linha com o Roteiro para a Descarbonização, traz para a discussão várias novidades dignas de registo, começando pela visão de em 2030 sermos um país no bom caminho para neutralidade carbónica em 2050 e com um “modelo democrático e justo de coesão territorial”.

Talvez seja por isso que, além dos mais óbvios como as energias renováveis, eficiência energética ou gestão de redes inteligentes, neste PNEC surgem temas prementes, e que para alguns podem parecer paralelos, como a Pobreza Energética e as Comunidades de Energia. Importa destacar que é a primeira vez que as Comunidades de Energia são incluídas num documento oficial do Governo Português. Infelizmente o papel que têm no PNEC é ainda praticamente nulo, mas já é um começo e ainda estamos na versão inicial do Plano.

As Comunidades de Energia são grupos de cidadãos, micro e pequenas empresas, e até autoridades locais, que se juntam com o objetivo comum de criar valor ambiental, económico ou social para as comunidades em que estão inseridos através de projetos na área da energia. Colocam a criação de valor acima do lucro, podendo ser (ou não) sem fins lucrativos.

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Podem ter atividades tão diversas como a produção, distribuição ou comercialização de energia, o armazenamento de energia, a agregação de consumidores ou produtores, a prestação de serviços de eficiência energética ou até de partilha de automóveis ou gestão de redes de abastecimento para mobilidade elétrica.

Ao contrário do que às vezes se pode pensar, as comunidades de energia não são um grupo de “piratas” que enganam o sistema para ter energia grátis, nem um grupo de “geeks”que usam blockchain para partilhar eletricidade mais barata. Na verdade as comunidades de energia já existiam bem antes de existirem computadores, como é o caso de cooperativas criadas em Portugal no início do século (bem como por várias outras partes do mundo) para eletrificar zonas do território às quais o Estado ainda não tinha chegado.

São, na prática, cidadãos e pequenas organizações que se juntam para desempenhar determinada atividade no setor energético, e fazem-no de acordo com as normas que o sistema lhes impõe. Podem ser os vizinhos de um mesmo bairro ou condomínio, um grupo de amigos ou iniciativas até de âmbito geográfico alargado, como é o caso da Coopérnico.

A este propósito, uma das (boas) medidas que foi terça-feira apresentada é a intenção de atualizar o enquadramento legal do autoconsumo para que, finalmente, seja permitida a partilha pelos inquilinos da energia produzida no telhado de um mesmo prédio.  O mesmo se pretende aplicar aos parques industrias, removendo assim uma barreira clara e desde há muito indentificada.

Neste PNEC os objetivos são ambiciosos mas, tal como acontece com este promessa para os condomínios, é no seu cumprimento que vai residir a verdadeira conquista. Se por um lado nas renováveis estamos obviamente no bom caminho, na eficiência energética por exemplo, devemos questionar o que está a correr mal.

É importante continuarmos a olhar para a diversificação do setor no que respeita aos seus agentes e às formas de envolvimento de cidadãos e consumidores finais. Quem sabe se o programa Casa Inteligente, uma medida que recentemente esteve na ribalta, teria tido maior sucesso se fosse promovida uma abordagem que integra a perspetiva das comunidade de energia, plataformas agregadoras ou modelos de financiamento como o crowdfunding?

Para concluir, muitas mudanças têm que acontecer no sistema energético neste caminho da transição e da neutralidade carbónica, mas um dos pontos que têm em comum é mesmo o objetivo de o colocarem a funcionar para benefício dos consumidores finais, aqueles a quem existe para servir.

Esperemos que o País não caia na tentação de olhar apenas para os grandes projetos, por serem os são mais rápidos a contribuir para o cumprimentos dos objetivos, mas que serão menos eficientes a promover a tão desejada e necessária democratização e descentralização do setor energético.

Presidente da Direção da Coopérnico, Sócio-fundador da GoParity