“É uma oportunidade económica”
Em Portugal o lucro de projetos que exploram os nossos recursos e/ou implicam a gestão de grandes infraestruturas, fica normalmente na mão dos acionistas das empresas que os exploram, que cada vez mais são estrangeiros, e pagam impostos fora de Portugal por uma questão de otimização fiscal. Culpa nossa que preferimos ter cá a Madonna que as nossas próprias grandes empresas.

Segundo um estudo de Ricardo Paes Mamede (investigador e economista do ISCTE), as contrapartidas para o Estado representariam o equivalente a um encaixe anual de 0,05% do PIB por ano mesmo que o barril de petróleo chegue aos 70 dólares e cheguemos a produzir 17 mil barris por dia (o máximo histórico de Espanha).

“A gasolina vai ficar mais barata”
Basta olhar mais uma vez para Espanha, que produz petróleo e tem um contexto político-económico semelhante ao nosso (mas com um pouco mais de “salero”), para ver que os combustíveis são quase tão caros como em Portugal e a diferença se deve sobretudo à carga fiscal. Mesmo assim, ainda que existisse essa mais-valia, não é de esperar que se repercuta no preço final ao consumidor. Se for esse o plano do consórcio ENI/Galp talvez não fosse má ideia deixarem-no já por escrito.

“É uma questão de independência energética”
Pois, mas é uma independência a olhar para trás. Numa época em que as energias alternativas estão bem estabelecidas e são competitivas (já sem subsídios), a mobilidade elétrica se afirma cada vez mais em todo o mundo e até o armazenamento é cada vez mais barato, queremos mesmo ser independentes com base numa solução do passado e com os impactos que lhe estão associados?

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“Não há riscos ambientais”
Excluindo os impactos da utilização de combustíveis fósseis, como a poluição atmosférica ou as alterações climáticas, há vários motivos para estarmos preocupados. Mundialmente ocorrem derrames de petróleo diariamente, seja de plataformas, navios ou oleodutos.

nos últimos 12 meses tivemos casos dramáticos de derrames com impacto em pessoas e na natureza no Bornéu (Indonésia), na Grécia, na China e na Austrália, que contaminaram água potável, obrigaram a encerramento de praias e mataram e contaminaram animais marinhos e pássaros e alimentos.

Acrescem os impactos no fundo do oceano, na vida marinha, na qualidade da água do mar e os riscos sísmicos. Estes últimos que têm duas vertentes, podem ser uma consequência mas também a causa de um desastre, mesmo que a sua ocorrência nada tenha que ver com os furos e captações realizadas.

“É tão longe que não tem impacto visual. Nem se vai ver da praia!”
É o mesmo que dizer “longe da vista, longe do coração”. Acredito que esta distância, ou falta de materialização imediata dos impactos, está na base de muitas das atividades com que fazemos mal a nós próprios e ao planeta. Poluímos a atmosfera porque não vemos a temperatura a aquecer. Fumamos porque não vemos as doenças respiratórias (e outras piores) ocorrerem logo a seguir. Muitos ainda não separam o lixo porque não têm um aterro à porta de casa. Os exemplos não têm fim.

“Um país tem que conhecer os seus recursos!”
Este é o argumento mais acertado e talvez por isso aquele em que os apoiantes e os lobbies da exploração de petróleo mais têm insistido. Mas é, mais uma vez, uma opção estratégica. Se é verdade que temos o direito de conhecer os nossos recursos, também o é que o futuro não passa por continuar na exploração insustentável de combustíveis fósseis.

Quando temos em Portugal em elaboração um “Roteiro para a neutralidade carbónica”, anunciado com tanto orgulho pelo Governo e até nos transportes elétricos pesados nos vamos tornar exportadores, o contrassenso é gigante.

Além disso, temos supostamente reservas de lítio suficientes para nos tornarmos uma potência mundial nos carros elétricos. Porque não priorizar o conhecimento e exploração destes recursos, muito mais orientados para o futuro?

Estamos a fazer o equivalente a uma aposta estratégica na produção de DVDs em 2010.

“Vais para todo o lado de carro elétrico, é?”
É como quando dizemos que não gostamos de touradas e nos respondem “Ai sim? Imagino que não comas carne então”. Não há uma relação direta entre ambos.

Também houve uma época em que não podíamos todos ter um smartphone ou comprar painéis solares. Mas com a evolução tecnológica veio a sua democratização, que se espera que acontecerá na mobilidade elétrica.
Por isso sim, hoje ando de carro a gasóleo, mas daqui a 10 anos espero não andar.

Nuno Brito Jorge, presidente da Coopérnico e fundador da GoParity,  uma plataforma de investimento em projetos de energia sustentável