28 de Junho

Passaram 110 anos do assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Fernando da Áustria, indigitado herdeiro do trono, e da mulher, Sofia Chotek, uma duquesa morganática, marginalizada pela Corte de Viena.

Sarajevo levou à Grande Guerra, a muitos milhões de mortos e a tudo o que daí derivou. Foi o fim do “mundo de ontem”, evocado por Stephan Zweig, e o princípio do mundo em que ainda vivemos.

Os assassinos dos Arquiduques eram uns jovens fanáticos, talvez manipulados pela Crna Ruka, a Mão Negra, uma sociedade secreta terrorista criada em 1901 por militares sérvios. Não seria a primeira vez que a Mão Negra, fundada pelo capitão Dragutin Dinitrijevic, se dedicava ao magnicídio: na noite de 10 para 11 de Junho de 1903, Dragutin e outros oficiais sérvios tinham assassinado no Palácio Real de Belgrado o rei Alexandre I Obrenovic, a rainha Draga e o primeiro-ministro e o ministro do Exército. Os Obremovic eram uma dinastia próxima dos Habsburgo de Viena. Foram substituídos pelos seus rivais, os Karadordevic, próximos dos russos. Algo parecido com o que aconteceu na Ucrânia em 2013-2014, com os amigos dos russos substituídos por amigos dos americanos.

29 de Junho

O nosso dia, na Europa, começou às 2 da madrugada com o debate Biden-Trump. Nos jornais e noticiários americanos de sexta-feira, os comentários não deixariam de ser surpreendentes.

Joe Scarborough, o pivot de Morning Joe, um programa matinal da MSNBC (Microsoft NBC), que começara por declarar “I love Joe Biden” e por se desfazer em elogios ao Presidente e ao seu mandato, terminava num apelo aos democráticos: era a última oportunidade de decidirem se aquele homem, “que conhecemos e amámos por muito tempo”, estava de facto “preparado para a tarefa de concorrer para Presidente dos Estados Unidos”. Depois, Thomas L. Friedman, analista internacional e colunista do New York Times, confessava por escrito que tinha chorado a ver o debate. A estas, seguiram-se “as lágrimas” de uma série de cronistas e comentadores.

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Mas talvez o mais impressionante foi o inusitado texto conjunto do Conselho Editorial do New York Times. Já nem aquele colectivo progressista, fina-flor da “liberal mind”, que nos últimos oito anos tinha vindo a massacrar os leitores, entre os quais me conto, com as malvadezas e perigos de Trump e as bondades e glórias de Biden, conseguia dourar convenientemente a pílula: a um tímido e caridoso “the President appeared on Thursday night like the shadow of a great public servant”, seguia-se o apelo à razão: talvez o Presidente já não estivesse na melhor forma para se recandidatar ou para responder às “provocações e mentiras” do Malvado de Mar-a-Lago, cuja “tirania e planos terríficos” tinham de ser vigorosamente combatidos (“That is no longer a sufficient rationale for why Mr Biden should be the Democratic nominee this year”).

30 de Junho

Ao fim da tarde de Domingo cheguei a Espanha, ao Real Monasterio de San Lorenzo de El Escorial, para uma conferência. A monumentalidade espanhola, melhor, filipina, do filho de Carlos V, que mandou fazer em pouco mais de vinte anos aquele convento-palácio faraónico impressiona sempre. Tudo aquilo impressiona – a basílica, o palácio real, a biblioteca, as colecções de arte, o mosteiro. E foi tudo construído entre 1563 e 1584, quando já não havia escravos e ainda não havia máquinas. Os monges e sacerdotes começaram por ser jerónimos e agora são agostinhos.

Na Conferência comparavam-se impérios e imperialismos europeus. Os espanhóis falavam da “Lenda Negra” que lhes tinham colado os protestantes holandeses e ingleses. Na discussão que se seguiu, lembrei que talvez a nossa singularidade – portuguesa e aqui também espanhola – de “impérios pré-industriais” (para usar a expressar de Hobsbawm) estivesse na exportação do Estado. Fizemo-lo para a Índia no século XVI e os espanhóis também o fizeram, com as plazas mayores nas principais cidades da Hispano-América, onde juntavam os símbolos do poder – o Governo militar, o Governo civil, o Tribunal e a Catedral. A exportação do Estado e do poder político e também a missionação, a “exportação” dos valores cristãos. Os holandeses e os ingleses actuavam por companhias majestáticas, com a exploração de recursos, o uso da força ao serviço de interesses económicos, praticando o chamado “imperialismo” propriamente dito, no conceito de Hobson e Lenine. A França foi um misto.

1 de Julho

Eleições em França: 10.628.507 fascistas, ultra-direitistas e extremistas em França, quem diria…? Mas o facto é que um em cada três eleitores franceses votou nos candidatos do Rassemblement National. E isto apesar dos inúmeros avisos sobre os malefícios do RN, da dupla Le Pen/Bardella, acompanhados pelas manifestações de rua de uma esquerda que nunca é “extrema”, mas que, perante o violento e radical perigo metafórico da ultra-direita, se vê forçada a recorrer a alguma violência real – de resto perfeitamente compreensível, ou melhor, perfeitamente compreendida e absolvida pelos noticiaristas.

Agora, Emannuel Macron, o iluminado que lançou a bomba – como lhe lembram, com a raiva disfarçada dos snobs, alguns dos seus correligionários – vai, sem vergonha nenhuma, apelar à “frente antifascista”. Se Mélenchon cozinhou com os socialistas e os comunistas a “Nova Frente Popular”, Macron apela aos sobreviventes do Centrão para que, passando por cima de tudo o que Mélenchon, os seus Insubmissos e a Nova Frente Popular significam, votem neles para barrar o caminho aos “fascistas do RN”.

E se já George Orwell, em 1944, escrevia no Tribune em “What is Fascism” que “fascista” deixara de ter significado substantivo para passar a ser um insulto indiscriminado, em 2024, na pátria do racionalismo, de Décartes e dos Iluminados, o medo da “Extrema-Direita” e a obsessão de fazer frente ao “perigo fascista” levaria a uma troca de galhardetes que, como escrevia Vincent de Viliers no editorial do Le Fígaro, tocava as raízes do absurdo.

Assim, o Presidente Macron passaria a aconselhar o voto no mesmo François Ruffin que dele dissera “on a un taré à la tête de l’État” e na mesma Nova Frente Popular que, antes de 30 de Junho, era para o chefe de Estado e os seus apoiantes “uma extrema-esquerda culpada de anti-semitismo, de comunitarismo e de anti-parlamentarismo”. Villiers chamou-lhe a “Coligação de Tartufo”.

Mesmo sabendo que os mecanismos da Constituição gaullista de 1958 levam, na segunda volta, a votar para eliminar, até que ponto é que os eleitores da Esquerda e da Esquerda Radical vão votar nos macronistas, até há uma semana “defensores da burguesia liberal exploradora, das leis capitalistas sobre propriedade, trabalho, reformas”? E até que ponto vão os macronistas, os moderados, votar nos candidatos da Esquerda Radical, muitos deles anti-semitas e iliberais, para parar um hipotético “perigo fascista”?

Segundo o Le Monde, bem ou mal, as desistências mútuas do Centrão para a Esquerda e da Esquerda para o Centrão são 224; assim, em cerca dos 500 lugares em disputa, ficam de pé 400 duelos – União Nacional versus Nova Frente Popular ou União Nacional versus Ensemble – e cerca de uma centena de concorrências triangulares.

Mas nem todos os centristas se identificam com a chamada “Coligação de Tartufo” de Macron e do seu primeiro-ministro Gabriel Attal. O ministro da Economia, Bruno Le Maire, afirmou numa entrevista ao Figaro que uma coligação não devia servir para barrar, mas para abrir caminho, apelando que à recusa, pelo voto, quer do Rassemblement National, quer do projecto Insubmisso, um projecto “comunitarista” e “insidiosamente anti-semita”. No mesmo sentido, o antigo primeiro-ministro de Macron, Édouard Philippe, veio afirmar a sua rejeição equidistante tanto de Le Pen como de Mélanchon.

As declarações de rejeição da União Nacional e da França Insubmissa dos dois macronistas marcam uma ruptura com o Presidente e a inexistência de disciplina de voto dentro do Centrão.

E porque ninguém é dono dos votos, falta saber o que é que os eleitores macronistas e esquerdistas vão fazer: vão renegar as convicções e escolher o mal menor? Vão ficar em casa?

Vamos saber no Domingo como sopram os ventos da História.

4 de Julho

No Reino Unido concretizou-se a mais que esperada vitória dos Trabalhistas de Keir Starmer. Como sempre nas vagas poderosas, os vencidos fizeram mais pela derrota do que os vencedores pela vitória; mas Neil Farage, com o seu Reform Party, terá contribuido para a derrota dos Conservadores, tirando milhões de votos aos Tories. Porém – singularidades do sistema eleitoral britânico – Farage foi dos poucos eleitos.

O vencedor, Starmer, um realista que afastou o esquerdista Corbyn da liderança do Partido Trabalhista, disse antes das eleições que estava à vontade com uma eventual vitória de Trump: “Não somos nós que escolhemos os líderes mundiais, isso cabe às democracias. E num mundo de gente crescida temos de fazer com que a relação funcione. Tem de funcionar.”

Sábias palavras. Raras, nos dias que correm…