1 Não arrisco: apesar de faltarem poucas horas para que os votos escrevam o nome do próximo presidente do PSD, sou incapaz de um prognóstico. Prognósticos só no fim do jogo como dizia o outro (qual? já não lembro) além de que aprendi com o dr. Soares que até ao lavar dos cestos é vindima, o que em política é absolutamente verdade e o que não faltam são exemplos disso mesmo e recentes. Passou de resto a haver como que uma “instalação” no sofá das sondagens como instrumento único da percepção política. Transmitir uma sondagem passou definitivamente a ser tomado pelo receptador como o selo de garantia sobre um resultado, em detrimento seja do que for. Como por exemplo sobre essa prosaica coisa que é a observação: da vida, do factor humano, dos comportamentos, atitudes, gestos, vozes e de como tudo isso desaguará depois na decisão política. Espanto-me sempre com o pouco caso que se faz daquilo que está à nossa frente, se justamente bem observado.
Todo este arrazoado um bocadinho enfastiante para dizer que não sendo de todo indiferente quem venha a ganhar o PSD, há porem algo ainda menos indiferente. Algo como uma cláusula definitiva posta num contrato e chama-se Portugal: o país agradeceria libertar-se da prisão da cepa torta onde vegeta, embora o actual poder político continuamente glorifique a cepa torta e a veja como um triunfo com assinatura socialista. E ou se percebe bem a importância fulcral da cláusula ou é quase indiferente quem venha a presidir ao maior partido da oposição. Tem de haver algo de maior – e alguém maior – do que as monocórdicas boas intenções e os vazios clichés eleitorais. Alguém que em vez de abrir leques de promessas a eito, se decida e dê a vida por um ou dois indispensáveis grandes propósitos. Reformar o Estado, à cabeça. Uma façanha. Torná-lo menos voraz no seu apetite pelo nosso dinheiro. Outra façanha. Um Estado que interfira menos e nos respeite mais, terceira façanha. Aí, sim, já teria valido a pena o voto no autor-concretizador das façanhas, fosse ele qual fosse. Criar riqueza. Não se pode apenas correr só atrás da pobreza, é imperioso atender ao pulmão da economia. Criar riqueza sim. E também podia ser a Educação, a Justiça, tratadas como enteadas do poder vigente mas uma e outra, temas quase lancinantes pelos quais valeria muito a pena que houvesse quem soubesse como se bater.
2 Nem se pode subestimar que o voto atrai hoje menos eleitorado. Ou que em 2021 pouca juventude fora das fronteiras partidárias avança alegre e convicta para uma secção de voto( constatação mais perigosa do que parece). Não votar afasta, amolece, desresponsabiliza. Desenraíza o cidadão do imperativo da cidadania. Votar confere a legitimidade da exigência. Não se pode continuar a confundir anúncios de 20 ou 100 medidas supostas salvar a pátria, promessas genéricas de benesses sociais falsamente sustentáveis com as tais duas ou três cruciais escolhas que há que fazer – e há mesmo, repito –, sem as quais o prometido não pode ser devido. Portugal tem conhecido políticos lesivos – habilidade, calculo e presunção em vez de visão, destemor político e reformismo – e líderes com o entendimento da boa liderança. Só esses servem os países. Não há? Parece que não. Mas é como as marés que sobem e descem, um dia voltará a haver, é da natureza das coisas.
3 Uma vez ocorreu-me que faria Sá Carneiro “disto”. Com a enorme independência de espírito que me confere o não ser saudosista nem praticar o sebastianismo (coitado do sebastianismo), às vezes dou comigo a pensar: e Sá Carneiro, hoje? Mesmo dando de barato que as circunstâncias do seu tempo e do nosso não autorizam nenhuma espécie de comparação e desaconselham extrapolações pouco sérias, que faria ele? Como agiria o fundador do PSD neste marasmo feito de empatas? Alguma coisa faria. Talvez rompesse com o que está, talvez desinfectasse o ar político do país de alguns dos seus nefastos vírus, talvez ateasse o fogo da polémica quando separasse o trigo do joio. Talvez começasse por haver o choro e ranger de dentes dos empatas. Uma coisa é certa: unia o centro e a direita e tomava conta deles. De todos, sim. E depois saberia bem por onde ir e o que isso (lhe) custaria. E então também talvez pudesse começar de facto – e de vez – outra história política. A única que valeria mesmo a pena que começasse (estou a repetir-me: é de propósito)
4 E mesmo que nada fique igual, após Janeiro de 2022, que surja uma variação menos assustadora do “mais do mesmo” que vigorou durante seis ou sete anos, os actores-decisores serão hélas, previsivelmente os mesmos empatas. Os que têm fechado o oxigénio do país, sonegado as vitaminas do seu crescimento, impossibilitado ambições e vetando futuros. E os que têm pactuado com isso ou têm escolhido não desagradar ao poder (são tantos, santo Deus).
É isso: que fariam hoje os lideres políticos que o país respeitou e em quem confiou?