A primeira vez que andei de avião devia ter 5 ou 6 anos. Fui a Barcelona, consultar um especialista em estrabismo. Nunca me hei-de esquecer dessa viagem. Da animação das Ramblas. Do médico catalão a dizer aos meus pais: “Sinto, pero no puedo hacer nada por el zarollito”. Sobretudo, do assombro que senti quando o avião levantou voo. Para um miúdo daquela idade, a tecnologia necessária para pôr um mastodonte daqueles no ar era incompreensível. Lembro-me de estar colado à janela a ver o Tejo a ficar cada vez mais pequeno (com o olho esquerdo, porque o direito insistia em fixar-se na ponta da asa) e pensar que era magia. Ainda hoje, apesar de poder ler tudo sobre aerodinâmica, tenho dificuldade em perceber os conceitos da física que explicam a maravilhosa bizarria que é voar. Mesmo assim, o pasmo infantil provocado pelo fenómeno do voo desse avião da TAP não é nada comparada com a estupefacção que hoje sinto ao ver que outros aviões da TAP continuam a voar. Depois de tudo o que a empresa tem passado, como é que ainda coloca aviões lá em cima? Não há ciência que o explique. Os cálculos que sustentam o voo, mesmo complicados. Já aqueles que mantêm a TAP a operar apesar da gestão dos últimos 30 anos, não batem certo. No entanto, ela aqui está, a rir-se de Isaac Newton e das suas matemáticas.

Nessa primeira viagem, as hospedeiras ofereceram-me um aviãozinho para brincar. Era costume dar uns brindes às crianças, para as entreter. Um hábito que mantém, com algumas diferenças. Durante o voo já não oferecem nada às crianças, mas se calha chegar um petiz irrequieto ao Governo, dão-lhe a companhia inteira para brincar.

Bartolomeu de Gusmão, Santos-Dumont ou os irmãos Wright, os pioneiros da aviação, destacam-se pela sua inventividade e valentia. Porém, essas qualidades empalidecem face ao génio e bravura do grupo de aventureiros portugueses que, no dealbar do séc. XXI, continua a planear voos baseados não na álgebra, mas na fezada. É tudo um bocado à balda. Ficarão para a posteridade como os “gloriosos políticos das máquinas voadoras” e as suas aventuras serão narradas em empolgantes documentos administrativos.

É o caso do relatório da Inspecção-Geral de Finanças, agora tornado público. Fala dos intrépidos governantes que ordenaram a compra da VEM, empresa de manutenção brasileira, que rapidamente se tornou num sumidouro de dinheiro. Foi o equivalente a adquirir uma oficina automóvel para ter revisões de borla, mas vê-la dar tanto prejuízo que se tem de vender o carro para sustentar os mecânicos. O nome já indiciava que não ia correr bem: manutenção de aeronaves chamada apenas VEM e não VEM e VOLTA? Era óbvio que os aviões iam ficar empanados.

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O relatório refere também o caso dos gestores que foram pagos recorrendo a um contrato de prestação de serviços “simulado”, permitindo que escapassem às responsabilidades fiscais, nomeadamente os pagamentos à Segurança Social. É preciso um tipo muito especial de herói para prescindir de uma reforma alta, só para poder servir a companhia aérea do país. Mais abnegação, só se em lugar do contrato fosse a remuneração a ser simulada. Talvez numa próxima oportunidade.

Finalmente, o relatório conta a história dos chamados “fundos Airbus”, o dinheiro que a construtora de aviões enfiou na TAP para a capitalizar. Claramente, a Airbus não se informou previamente sobre a forma como a TAP era gerida. Se o tivesse feito, tínhamos de passar a chamar ao dinheiro os “fundos Airburros”.

Ao arrepio das discussões ideológicas entre liberais e estatistas, defendo para a TAP uma terceira via. Mais do que ser entregue ao público ou ao privado, a TAP deve ser entregue a Deus, uma vez que a sua sobrevivência é um milagre.