A Comissão Europeia encontra-se atualmente a executar a Estratégia para a Igualdade de Género 20-25, que tem três grandes objetivos: a adopção de medidas legais para a criminalização de violência contra as mulheres, a igualdade entre mulheres e homens no contexto das relações de trabalho (com ênfase no fosso salarial e na inclusão das mulheres nos sectores da tecnologia e da inteligência artificial) e o equilíbrio de género nas lideranças (lutando, assim, contra os apenas 8% de mulheres CEO nas grandes empresas europeias).
As estatísticas suportam a Estratégia da Comissão Europeia: as mulheres são mais vítimas de violência doméstica que os homens, as mulheres ganham menos que os homens e há menos mulheres a liderar empresas que homens. Se algumas destas estatísticas parecem ser a confirmação do mundo que nos rodeia, confesso que me recordo sempre de um professor de Estatística que dizia: “A Estatística é a arte de torturar os dados até que eles confessem a verdade.” A verdade é que, se eu comer dois frangos e o leitor não comer nenhum, em média, comemos um frango, mas eu estou mais que saciada e o leitor continua com fome. Portanto, qualquer um de nós, munido de estatísticas, consegue não dizer a verdade sem nunca mentir.
Quando vemos o número de queixas por violência doméstica em Portugal, há uma esmagadora maioria de queixas por mulheres. Não digo que não corresponda à verdade. Mas já nos interrogámos sobre o que é mais socialmente estigmatizante? Um homem apresentar queixa por violência doméstica (ou por assédio sexual), ou uma mulher? As mulheres são capazes de violência, não tenhamos dúvidas. Há mulheres que perseguem ex-companheiros, em verdadeiras marcações cerradas – situações graves em que é necessário chamar a polícia. Quando não há violência física, não há sangue, não há mortes, não há notícias nos jornais, o crime continua a ser público, mas quem apresenta queixa sem provas da medicina legal? Sem queixa, não há estatística, são invisíveis.
O que se está a medir no fosso salarial? Estamos a falar de salário idêntico para trabalho idêntico? Se estamos a falar de uma fábrica, exactamente no mesmo posto de trabalho, em que a discriminação é feita exclusivamente porque é homem ou porque é mulher, isso é totalmente condenável – e ilegal. Mas trabalho igual não são cargos iguais.
De facto, as estatísticas do fosso salarial, se feitas com base em quanto ganha e quantas horas trabalha por semana (remuneradas ou não) servem-nos de pouco. Desde logo, há mulheres que, por escolha própria, porque queriam reduzir o nível de stress que tinham na sua vida, porque queriam passar mais tempo com os filhos, ou por qualquer outra razão, decidiram passar a trabalhar em tempo parcial. Podemos comparar o salário destas mulheres com o dos homens que continuam a trabalhar a tempo inteiro? Qualquer feminista pós-moderna interseccional virá dizer que as mulheres, mais do que os homens, são vítimas de pressões sociais estruturais e é por isso que o fazem. Porém, se o contexto social e educativo fosse totalmente determinante, não observaríamos que, em símios não humanos, as fêmeas tendem a cuidar mais da prole que os machos. Simone de Beauvoir, esse ícone do feminismo, estava errada quando afirmou que as mulheres não devem ser autorizadas a ficar em casa a criar os seus filhos – era exactamente por haver essa escolha que demasiadas mulheres a tomariam. Na verdade, para libertar as mulheres, era necessário forçá-las numa certa direcção – mesmo que elas não o quisessem. Uma libertação certamente inspirada na sua visita à China de Mao.
Cada vez mais, os homens querem estar envolvidos nas actividades dos seus filhos – o que nem sempre é facilmente aceite por colegas, pelo simples facto de que “eles são pais e há uma mãe para isso”. Também já todos ouvimos falar de casos de mulheres preteridas em processos de recrutamento porque queriam ter filhos, ou porque tinham filhos pequenos. Mas também há casos, incluindo em instituições públicas, em que o gozo da licença parental partilhada pelo pai é desincentivado – apesar de ser um direito consagrado na lei. Comportamentos destes são, na verdade, atitudes antiparentalidade. Como se compara o fosso salarial entre mulheres com e sem filhos? E entre homens com e sem filhos? Não deveria ser esta uma métrica para análise do fosso salarial?
O abandono do mundo rural para as cidades trouxe novos desafios: os homens, que frequentemente faziam o trabalho doméstico fora de casa, deixam de ter essa responsabilidade – não há lenha para cortar, não há que cavar para uma agricultura de subsistência. Mas fez-se um caminho: cada vez menos, aceitamos que os homens não saibam cozinhar, não saibam limpar, não saibam passar a ferro. Ensinamos os nossos filhos e os pais deles a fazê-lo. Perante esta mudança social, deve o legislador obrigar um casal a organizar a sua vida repartindo totalmente as suas obrigações, desde as idas ao médico com as crianças até aos metros quadrados que são limpos em casa? Há por aí vozes que acham que as famílias são incompetentes a educar nestas matérias e que deveria haver disciplinas nas escolas para ensinar a realizar tarefas domésticas. Dou já uma sugestão de conteúdo curricular para tal disciplina: gestão de orçamento doméstico, desde logo aumentando a literacia financeira… Mas parece-me que iríamos acabar numa situação em que o Estado nos ensinaria como devemos limpar o pó, se para a esquerda, se para a direita, qual Mr. Miyagi.
É muito fácil chegar ao PSI-20 e contar as mulheres que estão nos conselhos de administração destas empresas. Dizem-nos que é necessário ter mais diversidade nestes órgãos e mulheres a liderar. Para quê e porquê? A resposta que é dada, afirma que é para “haver representatividade, organizações mais inclusivas, visões femininas”. Mas os mesmos argumentos não se colocam em determinadas profissões e contextos: ninguém se choca com jardins de infância apenas com educadoras e uma directora! Confesso que ainda não vi reivindicar quotas para mulheres em empresas de construção civil, em todas as suas especialidades – electricidade, canalizações, estruturas – e cargos – do aprendiz até ao gerente! E estes sectores ou estas profissões, são invisíveis? Esta “luta” é, afinal, pelo quê? Pela diversidade em todas as profissões, mesmo naquelas que as mulheres rejeitam? Ou uma tentativa de, com relativamente pouco esforço, algumas mulheres chegarem a cargos de liderança? Sim, porque haverá as que têm mérito, mas ficarão na dúvida pela sua escolha. As que não têm, ficarão contentes, corporizando “vanitas vanitatum et omnia vanitas”, e quem as nomeou terá feito um brilharete e contará com mais um homem de mão. Curiosamente, ninguém se preocupa com as mulheres da limpeza, que se levantam cedíssimo para apanhar transportes públicos e que chegam a casa ao fim da tarde, esgotadas, e que têm de tratar de filhos – estas já são as CEO das suas casas, queiram ou não. São invisíveis.
Agora que cobrimos os pontos da Estratégia da Comissão Europeia para a Igualdade de Género, vamos às estatísticas que existem, mas que são invisíveis na praça pública: a taxa de alcoolismo é maior entre homens, a taxa de suicídio é maior entre homens, há mais sem-abrigo homens que mulheres, a taxa de abandono escolar precoce foi, em Portugal, em 2020, mais do dobro entre rapazes do que entre raparigas. Os processos em tribunal por alienação parental que muitas mães tentam exercer sobre os pais. Onde estão as campanhas? As políticas da esquerda, que pretende para si o monopólio das causas sociais?
Homens e mulheres invisíveis, a não ser através de uma qualquer estatística que nos entra olhos dentro pela comunicação social, numa lógica de captura de atenção. Entretanto, o Conselho Económico e Social preocupa-se com “linguagem neutra e inclusiva” – certamente porque nada mais sobra num país que vive há mais de 40 anos com políticas socialistas, tomado por um Estado que tudo devora.
A agenda da Estratégia para a Igualdade de Género é, pois, a dos visíveis: aquela que se preocupa com a violência porque o sangue aparece nos jornais, aquela que se preocupa com o fosso salarial porque as estatísticas assim são feitas, aquela que se preocupa com cargos de CEO porque os(as) seus(suas) pares vivem nos salões. Tão sectarista como qualquer outra causa originária num suposto sistema de opressão, que persegue uma justiça social em nome da qual todos – mesmo os invisíveis – devemos um acto de contrição.