Parece ser já evidente que Juan Guaidó falhou na segunda tentativa de derrubar o regime ditatorial de Nicolas Maduro. Erros de cálculo, má preparação e falta de garantias para as altas patentes militares venezuelanas parecem ter sido algumas das causas desse fiasco.

Há já algumas semanas que os chefes dos órgãos de segurança e espionagem russos vinham chamando a atenção para a possibilidade da oposição a Maduro desencadear uma nova tentativa para o derrubar. Segundo eles, o objectivo seria justificar uma intervenção militar por parte dos Estados Unidos e dos seus aliados na Venezuela.

Mas, desta vez, Moscovo não revelou qualquer tipo de nervosismo e a China também não fez alarido.

Isto poderá ter várias explicações. Uma delas é que russos e chineses têm boas fontes de informação no seio da oposição, o que lhes permite fazer uma avaliação real da capacidade de Guaidó chamar para o seu lado os generais. A segunda razão prende-se com o trabalho conjunto de conselheiros militares e mercenários russos e cubanos com as chefias das forças armadas venezuelanas. E a terceira deve-se ao facto de serem poucos os que acreditam numa intervenção militar americana directa nesta crise. Donald Trump parece não ter equipa talhada para lidar com situações tão complicadas no campo internacional. E, se a tem, não lhe dá ouvidos. Além disso, o Presidente norte-americano receia meter-se em sarilhos e as ameaças por Twitter ou pela voz dos seus conselheiros de que a Rússia deve sair da Venezuela e levar com ela Maduro caiem em saco roto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A actual “guerra fria”, em que a Venezuela é um excelente polígono para testar novas formas, adquire também uma faceta nova: o mundo não é controlado apenas por dois polos, como aconteceu no passado com os Estados Unidos e a União Soviética, nem o mundo unipolar venceu, mas, na luta pela influência a nível mundial, entraram novas potências, o que está a ser inteligentemente aproveitado por países como a Rússia e a China. No caso da Venezuela, estes dois últimos países recebem, por exemplo, também o apoio da Índia e da Turquia (que, dizem, é membro da Aliança Atlântica!). Vladimir Putin não perde a oportunidade de mostrar que o seu país tem interesses universais, que já vão muito além do Continente Europeu, chegam a qualquer local onde o chamado Ocidente revela sinais de fraqueza e de incapacidade de resolver os problemas.

Isto acontece também porque a União Europeia está dilacerada por contradições graves e não é de acreditar que algo melhore depois das próximas eleições europeias, onde uma extrema-direita pró-russa poderá conseguir surpreendentes resultados.

Por isso, o Presidente russo aproveita a situação instável no mundo para reacender o conflito com a Ucrânia. A decisão por ele tomada de conceder passaportes do seu país a centenas de milhares de cidadãos ucranianos que residam nas repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk e a promessa de abrir essa possibilidade a todos os ucranianos que assim o desejem torna possível mais uma “intervenção humanitária” como as que ocorreram na Ossétia do Sul, na Abkházia, em 2008, e na Crimeia, em 2014.

Tudo parece correr de vento em poupa para o Kremlin, resta saber até quando é que a economia russa irá suportar tanta arrogância e “generosidade” na política externa. O dinheiro da exportação de gás e petróleo até permite, segundo as autoridades russas, aumentar as reservas de ouro, mas não nos chegam notícias sobre a modernização dos sectores básicos na Rússia.

Alguns analistas consideram que, desta vez, Moscovo tem o apoio de Pequim, mas a história mostra que a China é impiedosa na defesa dos seus interesses. Deve ter-se presente a “aliança eterna” entre a União Soviética de Estaline e a China de Mao. Durou pouco. Hoje, a Rússia é um bom fornecedor de combustíveis, de armamentos para copiar e um excelente mercado para os produtos chineses, mas não é um parceiro igual se falarmos de poderio económico.

Voltando à crise na Venezuela, a saída ideal seria a tomada do poder pelos militares e a realização de um processo de transição para a democracia através de eleições livres. Mas as chefias militares corruptas, atoladas no tráfego da droga, estarão dispostas a arriscar a sua vida desafogada? E se lhes forem dadas garantias de segurança? Será que elas irão ser respeitadas?

P.S. Fico impressionado com o facto de ainda haver pessoas que se indignem com o facto do Partido Comunista Português apoiar Maduro. O espantoso seria o contrário. Não se trata de ser consequente, mas de apodrecimento ideológico e político.