A mudança da economia portuguesa para um paradigma de desenvolvimento económico baseado no conhecimento, nas qualificações e na inovação tem como condição necessária a existência de um sistema científico e tecnológico de excelência. Quando me perguntam, se pudesse escolher, que medida tomaria para acelerar a mudança de paradigma da economia portuguesa dou sempre a mesma resposta: criar condições para que seja possível um prémio Nobel na área das ciências em Portugal. Não há uma bala de prata para transformar a estrutura da economia portuguesa mas, se o objetivo é termos uma estrutura económica cuja competitividade assenta na inovação e nas qualificações, é fundamental que Portugal seja reconhecido como um país que está na fronteira da geração de conhecimento científico e com capacidade de criação de novas tecnologias.

José Mariano Gago, que faria 75 anos no passado dia 16 de maio, percebeu que o desenvolvimento científico era uma dimensão essencial ao nosso processo de convergência com a Europa. Como Mariano Gago mostrava no seu Manifesto para a Ciência em Portugal, publicado em 1990, era necessário e urgente romper com o isolamento social da ciência em Portugal, através de mais investimento, da sua internacionalização, da correção das assimetrias regionais, de uma mais forte ligação às empresas e à sociedade, e de uma maior e melhor divulgação dos resultados da ciência.

Para marcar o aniversário de Mariano Gago, o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) e a Gradiva reeditaram o Manifesto para a Ciência em Portugal. Em boa hora, o LIP, fundado por Mariano Gago em 1986, decidiu reeditar aquele influente ensaio e marcar a ocasião com um debate simultâneo em Braga, Coimbra e Lisboa, universidades onde estão sedeados os seus três centros, sobre o futuro da ciência em Portugal.

A minha participação no debate que teve lugar na Universidade do Minho foi o motivo para a leitura do Manifesto de Mariano Gago, por quem sempre tive admiração pelo seu papel central no desenvolvimento da ciência e do ensino superior em Portugal. A leitura deste ensaio, que é um diagnóstico e um programa de ação para o desenvolvimento da ciência em Portugal, causou-me uma forte impressão. Numa época em que nos habituámos a que as soluções para os problemas do país sejam apresentadas em powerpoints, é surpreendente ler um ensaio com um diagnóstico exaustivo do atraso do desenvolvimento científico de Portugal, com uma visão para a convergência com a Europa e com a identificação das áreas em que era necessário realizar mudanças para alcançar aquela convergência. Tivemos a sorte de, naquela altura, o Partido Socialista estar aberto à sociedade e permitir a Mariano Gago criar as condições para a promoção do desenvolvimento científico de Portugal. Nos 12 anos em que esteve em funções como ministro da ciência, graças também à sua capacidade política, foi possível implementar uma visão de longo prazo para o país. De facto, em muitas dimensões, a visão de Mariano Gago cumpriu-se.

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Veiga Simão, como ministro da educação entre 1970 e 1974, tinha deixado uma marca muito importante na ciência e no ensino superior, com uma aposta na formação de investigadores em universidades de referência internacionais (ele próprio se tinha doutorado em física nuclear na Universidade de Cambridge) e com a criação de quatro novas universidades (Aveiro, Évora, Minho e Nova). Mariano Gago, também doutorado em física, pela Universidade Pierre e Marie Curie, deu um novo impulso à internacionalização da ciência portuguesa, através da adesão a laboratórios internacionais de referência como o CERN ou a ESA, do forte estímulo à realização de doutoramentos e investigação em universidades estrangeiras (de que a minha geração muito beneficiou) e da participação nas agendas científicas internacionais. Estas dimensões de internacionalização foram essenciais para o desenvolvimento da ciência em Portugal e para a convergência com a Europa. Por um lado, a validação do conhecimento de acordo com as melhores práticas libertou os investigadores e as novas instituições dos pequenos poderes da academia portuguesa (que, apesar de tudo, continuam muito presentes). Por outro lado, as agendas de investigação ficaram alinhadas com as das principais instituições científicas internacionais e não subordinadas a objetivos de curto prazo.

Assim, à semelhança do que aconteceu na educação, também a ciência conheceu um extraordinário progresso nas últimas décadas. José Ferreira Gomes, ex-secretário de Estado do Ensino Superior, no seu livro Ensino Superior e Desenvolvimento, recentemente publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresenta um retrato do ensino superior em Portugal e também da ciência, dado que esta se concentra naquelas instituições. Os dados aí apresentados por Ferreira Gomes mostram o extraordinário progresso que foi feito no desenvolvimento científico em Portugal desde a publicação do Manifesto de Mariano Gago. Em termos de produção científica, alguns indicadores colocam Portugal em termos europeus numa posição bastante favorável relativamente a outras dimensões como o PIB per capita (21ª posição na UE). Por exemplo, na produção de artigos científicos indexados na Web of Science por milhão de habitantes, em 2020, Portugal estava na 12ª posição na UE, à frente de países como a Alemanha, a França ou a Espanha. Também no número de investigadores, com 2,8 por mil habitantes, nos encontramos nos lugares cimeiros na UE.

Apesar dos progressos realizados, em termos da posição das universidades portuguesas nos rankings internacionais, há ainda um longo caminho a percorrer. Por exemplo, no ranking de Shangai, em 2022, entre as universidades portuguesas, as Universidades de Lisboa e do Porto ocupavam as melhores posições, situando-se nas posições 201-300 a nível mundial. No entanto, em algumas áreas científicas, várias universidades portuguesas conseguiram posicionar-se entre as 100 melhores a nível global. Entre os cientistas portugueses prevalece o ceticismo em relação à possibilidade de atribuição de um prémio Nobel a um investigador a trabalhar em Portugal. No entanto, é necessário garantir as condições para que em cada vez mais áreas científicas as universidades portuguesas melhorem o seu posicionamento nos rankings internacionais.

A revisão da lei de financiamento do ensino superior e o seu cumprimento, dando condições de previsibilidade à gestão das instituições de ensino superior, e o reforço da autonomia das instituições para que possam prosseguir estratégias próprias de desenvolvimento, parecem-me condições necessárias para quebrar o marasmo em que a ciência e o ensino superior se encontram desde a última grande mudança, em 2007, ainda pela mão de Mariano Gago, que foi a publicação do novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior.

Os desafios que temos pela frente, seja para que a ciência produzida em Portugal esteja na fronteira do conhecimento, seja para que produza um maior impacto na sociedade e na economia, exigem um novo manifesto e ação política. Alguns princípios enunciados por Mariano Gago no seu Manifesto de 1990 parecem-me atuais: “o êxito em ciência não se programa – podendo, sim, facilitar-se e programar-se algumas condições necessárias ao sucesso: a liberdade das instituições e dos indivíduos, a garantia de continuidade básica nas condições de trabalho, o encorajamento à abertura internacional, o primado da crítica e da qualidade intelectual, a recompensa do sucesso.”